Todos querem falar
Mas poucos querem ouvir. Não que façamos isto propositalmente. O que acontece é que a vaidade de cada indivíduo faz com que os seus sensores estejam, a maior parte do tempo, mais preocupados em transmitir do que em captar. Este é um dos focos do descompasso social em que vivemos e uma das fontes lícitas do enriquecimento dos psicanalistas mundo afora. E também do fortalecimento das religiões, visto que, na falta de alguém que nos escute aqui na Terra, procuramos extravasar nossos sentimentos com os representantes dos céus. Esse comportamento não está atrelado aos preceitos e preconceitos que são nossas referências diárias. É mera conseqüência da missão genética de cada espécie aqui no nosso planeta, ou seja, propagar o máximo de si para obter o máximo de espaço possível. Naturalmente, isto acaba virando uma grande peleja, com nações, partidos, facções, associações ou simplesmente indivíduos falando de tudo para promover os seus interesses.
Dentro desse contexto, quem é que faz a diferença? São os que se dispõem mais a ouvir do que a falar. São os que ajudam mais do que pedem ajuda. São os que lhe estendem as mãos sem pedir nada em troca por isto. Não estou falando de utopia. Isto é real e pode estar no nosso dia-a-dia. Mahatma Gandhi, Martin Luther King e Madre Teresa são exemplos famosos desse tipo de comportamento. Quem sabe se a nossa Zilda Arns Neumann também não tenha consagradas internacionalmente as suas ações junto à Pastoral da Criança? Enquanto a caravana passa, os que só têm tempo para pensar em suas conquistas certamente não perceberão a importância dessas pessoas e que elas, de alguma maneira, são parte dos benefícios sociais de que desfrutam.
Por falar em criança, achei muito tocante a propaganda da Fundação Gol de Letra (http://www.goldeletra.org.br), veiculada há algum tempo na televisão, em que crianças pobres chegam às janelas de automóveis parados em sinais de trânsito e, ao invés de pedirem dinheiro, pedem respeito, dignidade e futuro. Creio que podemos tomá-la como exemplo para tentar saber onde é que nos situamos nessa babel diária de intenções que temos de enfrentar. Se você não vê televisão, já pode ser um problema, pois é praticamente impossível não se ter acesso a esse meio de comunicação, a não ser que você faça questão disto, o que não deixa de ser uma maneira de não querer "ouvir". Aqueles que assistiram à propaganda indiferentemente, sem dúvida, estão mais preocupados com seus próprios umbigos do que os que pelo menos tiveram vontade de fazer algo. Mas, numa primeira análise, os dois situam-se na mesma camada. Dos que se sensibilizaram, quantos, efetivamente, fizeram alguma coisa? Pouquíssimos, certamente. No país das falcatruas, a primeira coisa que chega à cabeça do cidadão calejado que vê uma propaganda do gênero é "alguém está querendo se dar bem com isto". Existe uma certa coerência nesse modo de pensar, pois aqui tudo é possível, inclusive a sangria desatada de dinheiro da LBV e o favorecimento de empresas de parentes do coordenador do PROCON em licitações públicas. A verdade é que, no meio dessa celeuma, cada um de nós sabe perfeitamente onde se enquadra, quando lhe surge a oportunidade de mostrar os seus predicados e as suas locuções.
Vocês já prestaram atenção no fato de que , normalmente, na mídia, o espaço para o ouvinte, o leitor e o telespectador se manifestarem é apenas aquele mínimo indispensável para a autopromoção do veículo de comunicação em que ele está se apresentando? Diante da dificuldade de serem ouvidas, as empresas cada vez mais aperfeiçoam o seu marketing e a forma de chamar a atenção de seus clientes potenciais, com muita criatividade, para que possam reter alguns interessados nos produtos que oferecem.
E nós? Como é que ficamos no meio desse tiroteio entre interesseiros e interessados? Tendo que assumir uma das duas posições ou até mesmo as duas, simultaneamente, se quisermos fazer parte das relações imperiosas que se escancaram diante da gente. Porém, sempre será possível quebrar paradigmas. Devemos continuar falando e nos expressando de todas as maneiras dignas possíveis, mas lembrando que sempre haverá outras pessoas querendo fazer a mesma coisa que nós, o que significa que alguém vai ter de ouvir. Cedendo um pouco, todos saímos ganhando. Por falar nisso, acho que já falei demais. Por favor, agora é a sua vez.
Felipe Cerquize