DE VOLTA AO DESEJO
Volver é o título mais recente do diretor espanhol Pedro Almodóvar. Significa voltar. A produtora que ele mantém junto com o irmão chama-se El deseo S/A. Juntando um com o outro, encontra-se a melhor definição para a trama: Almodóvar voltou ao desejo. E nós devíamos fazer o mesmo.
Nossos dias são pontuados por horários, compromissos e problemas a serem resolvidos. Não há tempo para o espontâneo, o mágico, o absurdo. Cada coisa ocupa o seu devido lugar, quando bom mesmo seria virar a estante de ponta cabeça. Não quero dizer que todo mundo tem que sair por aí quebrando pratos, saqueando lojas ou virando cambalhotas. Não quero um bando de malucos. Quero um bando de seres humanos, no estado mais puro da palavra. E quando digo palavra, não tem nada a ver com dicionário. É sentimento mesmo.
Algumas pessoas parecem ter medo do que os sentimentos podem provocar. Medo de perder o controle e falar demais. Agir demais. Amar demais. Sofrer demais. Ser você demais. Ensaiamos frases feitas e procuramos cenários ditos adequados. Suamos frio temendo que a trilha sonora não inicie na hora combinada. Seguimos a risca o roteiro e rezamos para o tempo colaborar. Dizer oi na cena1. Brindar na cena 2. Beijar na cena 3. Casar na cena 4. Brigar na cena 5. Chorar na cena 6. Se recuperar e seguir em frente na cena final. Corta!
O mundo não é perfeito. A gente sabe, mas faz de tudo para esquecer. Queremos tudo do jeito certo. E o que é o certo? Será que dói tanto assumir que nossas vidas são movidas à loucuras, gritos, cores e sons? Que é absurda, nonsense e passional? Os livros de auto-ajuda deviam encalhar nas prateleiras, criar grandes camadas de poeira. O instinto tem as melhores respostas. Nem sempre as certas, mas as melhores.
A empresa de Almodóvar não se chama El deseo por acaso. É ele que move o cinema. É ele que devia mover o mundo.
Bianca Zasso