Pimenta nos Olhos do Outro é Refresco

    E se o seu vizinho, por inveja do seu carro, do seu jardim, da sua inteligência e da sua história (se há uma coisa que desperte inveja e ira no homem pequeno, certamente é o fato de constatar que o outro construiu uma história ), resolvesse denunciá-lo à polícia, sem nenhuma prova? E se, por um golpe de sorte o infeliz conhecesse alguém na mídia e no dia seguinte o seu nome estivesse nas manchetes dos jornais? E se ninguém quisesse ouvir a sua versão e preferisse entrar para a turma do joga pedra na Geni? E se da noite para o dia você tivesse virado ladrão — para a rua, o bairro, a cidade, o país e o mundo — , sem nunca ter roubado uma simples goiaba em pomar alheio? Pois é, pimenta nos olhos do outro é refresco...
    E se antes da polícia investigar as denúncias, o seu vizinho convocasse uma reunião de condomínio para expulsá-lo da rua? E se na tal reunião não houvesse nenhum interesse em se provar as denúncias e a vizinhança optasse por pinimbas pessoais? E se o seu recém adquirido status de ladrão fosse "provado" porque num belo dia (do qual nem você lembra) não cumprimentou alguém no elevador? E se a "roubalheira" fosse demonstrada — e juramentada — por uma ocasião em que você foi jantar num restaurante que, de tão fuleiro, você já nem sabe o nome? E se a sua honestidade caísse por terra, independentemente de sua vida correta, com uma simples alegação de "pedantismo"? Pois é, pimenta nos olhos do outro é refresco...
    E se você pensa que isto só acontece nos livros de Kafka (dá uma lida em O Processo e depois me diz), pode tirar o seu cavalinho da chuva porque agora, neste exato momento em que escrevo, acontece com Zé Dirceu, um brasileiro cujo único crime foi sonhar — e LUTAR — um Brasil brasileiro.

Marcia Frazão

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