Um sonho perdido
Perdido na medida certa ou errada de seus interesses econômicos o Jornal Nacional descobriu a bala perdida, agora achada nas estatísticas que nunca existiram e nas caras das desesperadas mães pobres e pretas estampadas na primeira página do seu jornalão classe média.
Antes disso essas mães, juntos com seus filhos, eram apenas anônimos personagens dos jornais populares. A bala que ficava perdida lá pelos cantos dos subúrbios periféricos aumentou a sua rota de atuação e começou a tracejar com mais intensidade no trajeto e nas cercanias abastadas da Zona Sul.
E como vai ser agora a pauta da redação se todo dia um cidadão tem encontro marcado com uma bala perdida que lhe pega na saída do mercado ou no sacro santo canto de sua sala quando via o big brother e torcia pelo alemão que levará o milhão? Terá vida a suite da matéria ou nos restará o suicídio etéreo de uma vã existência?
Perdidos estarão os editores vitimados pela ditadura da audiência aumentada por tanta violência que chegou ou criou este inconsciente coletivo que decretou o aprisionamento virtual da barbárie até que você seja a próxima vítima enquanto um outro idiota engolirá comovido a tua história durante o jantar.
Perpassando os universos das ficções novelísticas, das facções idealísticas — bandidos de presídios e bandidos de planalto — e das fricções de um aparthaid anunciado, o horário nobre da emissora é refém de uma tragicômica ópera social, onde o holocausto diário é patrocinado por cervejas, celulares e sabão em pó.
Luiz Pires