O MENDIGO LÊ
A população mundial, a cada dia que passa, lê menos. No Brasil então... E muita se fala a respeito.
Culpa-se o preço dos livros, inacessíveis para a maioria. Mas, e os livros usados que abarrotam as prateleiras dos sebos? Neles, encontra-se de tudo, para todos os gostos e bolsos.
E o que dizer então das bibliotecas? Salas repletas de conhecimento, lazer e corredores vazios de curiosos. Nas feiras, o encontro de novos e usados. Livros a quilo, dúzia, a um real! Mas cadê o leitor?
Alheio a tudo, o mendigo lê.
A Internet trouxe um avanço enorme para o acesso ao conhecimento. Mas será que as escolas e afins, tão empenhados em aparelhar suas salas com computadores, instruem seus usurários sobre esta maravilha? Tenho dúvidas... Já vi estudantes se recusarem a procurar numa enciclopédia o tema de um trabalho escolar, preferindo buscá-lo via net? Muito mais fácil?, disse o aluno, ? a gente digita a palavra, o buscador encontra e aí é só mandar imprimir? Mas se o aluno não lê o resultado da pesquisa, de que adianta o computador?
Mas o mendigo lê um gibi.
E novos escritores se espalham, ávidos por colocar pra fora esta angústia de século, novo e velho, inconformado e apático. Os títulos se avolumam, as livrarias transbordam e... onde está o leitor?
E o mendigo vira mais uma página.
Acho que a minha própria falta de resposta às tantas perguntas me fez enxergar aquela cena. Numa manhã chuvosa, um homem jovem, maltrapilho, encostado a um poste na esquina da Av. Amazonas e Rua Tupinambás, em Belo Horizonte, MG, agachado, alheio aos pingos, barulho, multidão e tudo que contrariamente se desejaria para uma boa leitura, simplesmente, lê.
Sei o quanto um livro nos oferece de liberdade, o quanto podemos viajar nas páginas que se desdobram. Seja qual for o assunto, nossa imaginação, sempre livre, voa...
Qual seria então a viagem daquele mendigo? Enquanto tantos recorrem a outros meios para escapar da realidade, ele lê. Um livro talvez encontrado no lixo, desprezado como se lixo fosse, descartado de alguma prateleira erudita. Mas, sem dúvida, um livro. Bom o bastante para resistir aos infortúnios e sobreviver. Bom em si mesmo, por levar algo àquele pobre homem e com certeza, transportá-lo em suas asas.
Para onde? Só o mendigo sabe.
Talvez saiba porque lê ou lê, porque sabe...
Quem sabe?
Maria Luiza Falcão
(19 de dezembro de 2006 - em BH)