PLUTÃO INVADE A TERRA
Imagine uma criança, assustada, convicta de que iria assistir ao espetáculo do fim do mundo em poucas semanas.
PLUTÃO INVADE A TERRA – diziam os jornais. A rotação do planeta nanico é feita em 6.4 dias, translação em 248 anos, seu diâmetro possui 227kim, sua temperatura é de duzentos graus negativos; a exemplo da Terra, possui um único satélite: Creonte. Os pais diziam, apavorados, que as cidades iriam se encher de metano, enxofre e nitrogênio. Mesmo sendo o mais distante do Sol, o planeta anão estava vindo se chocar diretamente com a Terra.
No dilúvio bíblico, o mundo se acabou com água; as profecias estavam certas, desta vez, o mundo iria se acabar com fogo. O cheiro de enxofre as pessoas da cidade já sentiam arder às narinas.
Aconteceu em minha infância. À época, espalhou-se a notícia em todo o Brasil que Plutão invadiria a Terra. Todas as pessoas, em alerta, na expectativa. Aguardava todos a hora do acontecimento que estava marcado.
Por que os adultos não respeitam as crianças?
Notícias no rádio. Comentários em família e vizinhos. E as crianças assustadas. Plutão invade a Terra.
Políticos, descrentes, aproveitavam a oportunidade e iam às praças para prometerem mundos e fundos. Inimigos fizeram as pazes com inimigos. Plutão invade a Terra. As vizinhas de outras vizinhas lhes pediam perdão por não ter devolvido a xícara de açúcar emprestada. A mulher que apanhava, perdoando o marido. Plutão invade a Terra – era a frase mágica. O governo mandou os bancos anularem os empréstimos. Comerciantes distribuindo, de graça, as mercadorias de seu comércio. Lojas abriram portas. Sogro rico perdoava genro pobre. Plutão invade a Terra. O padre reuniu os fiéis em oração; aquelas senhoras gordas, assustadas, ansiosas, foram à porta da igreja para ver se estava na hora do fim do mundo, mas não se levantaram, se foram arrastando os joelhos para fazer sacrifício e serem perdoadas dos pecados. Plutão invade a Terra. Os ricos dividiam sua riqueza com os pobres. Os sinos das igrejas tocavam. Irmão inimigo de irmão, porque não pagou o dinheiro emprestado, desentrigou-se nesse dia. Pregações nas ruas. O padre a perdoar pecados.
Notícia na rua: Plutão invade a Terra.
Nessa hora, o maestro teve uma idéia. Organizar todos os músicos com seus instrumentos e saírem em desfile em todas as ruas da cidade. Iam tocar hinos, músicas sacras, músicas suaves, jazz, blues, bossa nova, samba, rock, lambada, rumba, valsa, tango, salsa, baião, forró, xaxado, coco, zabumba, axé. Para agradar a todos os gostos.
Todos se despediam da vida que tinha dia e hora marcados. As horas se foram passando. A banda de música tocava. As pessoas aflitas. Estrelas cadentes mudavam de lugar. Anjos desciam do céu ao som da música suave. Pessoas choravam a aguardar a meia-noite, pois seria a hora fatídica. A banda de música em desfile.
Meia-noite. Seria esta a hora do acontecimento. Meia-noite passou. A banda de música parou de tocar. As crianças não mais choraram, porque já estavam dormindo nos braços de seus pais. A porta da igreja se fechara. O sacristão não mais replicou o sino.
Todos seguiram de volta à sua casa, cabisbaixos, envergonhados por falta de fé. A noite continua. O orgulho continua. A vaidade continua. Os pecados. A injustiça. A falta de solidariedade. E a vida continua.
Maria do Socorro Ricardo