ARROZ SOLTINHO
Ela queria aprender a preparar arroz soltinho. Não é estranho? Há muito não encontrava alguém com um desejo tão fora de moda.
"Arroz soltinho?" – indaguei surpresa.
"Sim! Você sabe?"
Foi uma das perguntas mais intrigantes que me fizeram nos últimos tempos. Silenciei. Não havia meio termo. Há, sim, duas classes de mulheres: as que fazem arroz soltinho e as que fazem papa, grude, cola... e outras espécies qualificadas com adjetivos degradantes que ninguém gostaria de ouvir, há até o arroz "unidos venceremos", se você já não provou, pelo menos já ouviu falar.
É certo que eu tenho muitos anos de fogão e até por isso colecionei muitas receitas de como preparar o tal arroz. Panela de fundo grosso, refogar sem mexer, água fria, algumas gotas de vinagre e etc., mas daí garantir que elas sejam infalíveis é outra história. Tem o tal do ponto. Ponto para botar água, ponto para abaixar o fogo, ponto para desligar, ponto para mexer... e qualquer um desses descuidos pode fazer desandar a receita, mesmo que a quantidade dos ingredientes estejam rigorosamente corretas.
Seria melhor responder para a moça um sonoro não. "Não sei uai, não consegui aprender, não levo jeito... sei lá. Precisaria justificar?" Além de que, escaparia, de antemão, à necessidade de comprovar tais dotes culinários. Apresentaria a moça para qualquer outra senhora mais capacitada. Àquelas que têm o dom, digo, as mãos habilidosas para fazerem arroz soltinho sem qualquer receita. Pouco importa o tipo de panela, água fria ou quente, altura do fogo, quantidade... elas têm olhares mágicos capazes de reconhecer qualquer estado desses grãos e tratá-los da maneira como convém. O resultado será sempre o mesmo: arroz s-o-l-t-i-n-h-o!
Os olhos da moça ainda fixos em mim aguardavam uma resposta. Qualquer que fosse, atravessaria as janelas sem cortinas e comunicaria com o mundo lá fora. Pelo vidro era possível ver outras mulheres na varanda esperando que eu abrisse a boca. A resposta, por certo, propagaria-se como uma notícia.
Fiz uma cara séria. Sabia fingir um rosto concentrado enquanto me ausentava por um instante. O calor morno do forno me afagava as pernas e queimava o cérebro. "Por que não me questionara acerca de outros pratos? Eu sabia fazer lasanha tão bem. Poderia fazer muitas com variadas massas e sabores.... e depois ornamentaria com tomates, pimentões, azeitona... e apresentaria para a moça, ou a quem quer que fosse, minha obra de arte pronta para degustação. Mas tinha de ser o arroz?"
A moça não queria nada além de uma palavra. E eu, pobre de mim, nada além de um raciocínio rápido, nada além de uma inspiração, de um sopro divino... ou qualquer pensamento que me salvasse daquela situação.
Os olhos da moça eram impressionantes! Podiam diminuir e de repente aumentar, parece que eu nunca tinha visto olhos iguais. Fiquei com a colher de pau rodando entre os dedos, o olhar perdido nos vidros fixos da minha humilhação. E a moça acompanhava, com os olhos diminuídos, o meu gesto. Afastei-me do fogão para tossir. Lembrei-me que quando criança eu tossia sempre que necessitava ganhar tempo. Mas fui curada desse mal. Agora era tosse nervosa mesmo. De dentro da casa brotou um som de "o almoço está pronto?" A voz introduziu entre nós uma nova presença. A moça movimentou-se pela cozinha tomando o rumo da porta. De certa forma, um alívio. Ela sentiu, "inexplicavelmente", o efeito da minha desobrigação. Alisando a mão no batente da porta, olhou para mim e sorriu maliciosamente. Penso que o riso continha também alguma satisfação... Juro que tinha!
Lucilene Machado