TUDO É CULTURA
Recomeça no Brasil a greve de todos os servidores do Ministério da Cultura, no mesmo dia em que o Supremo Tribunal Federal inicia o julgamento para confirmar ou não os possíveis indiciados no caso do Mensalão. A primeira situação recebe muita pouca cobertura da mídia, enquanto a outra está no noticiário de todos os jornais, rádios e tevês, trazendo pela primeira vez uma expectativa muita grande à população para que haja condenação dos políticos, empresários e funcionários públicos corruptos.
Num primeiro momento parece que as duas situações são distintas, mas na realidade elas são interdependentes, assim como todos os grandes e pequenos eventos de nosso povo, de nossa vida privada, de nossa higiene pessoal, de nossa escolha de educação fundamental e superior, de nossa arte, de como somos educados para não jogarmos o lixo no chão, de como devemos escovar os dentes após as refeições, de como comer comidas saudáveis, de praticar esportes, de sermos solidários com o próximo e capazes de votar e cobrar dos nossos representantes suas ações.
Cultura é também a capacidaded de entendermos os nossos direitos e deveres como cidadãos e contribuintes que pagam impostos para o funcionamento de hospitais, escolas, empresas, jornais, delegacias, bombeiros, rodoviárias, aeroportos, estradas, cemitérios, o Congresso Nacional e por fim o Supremo Tribunal Federal que deveria dar a palavra final em todas essas questões de nossa sociedade, mas que também terá seu desempenho e sua qualidade de interpretação ligados a um poder bem maior de uma civilização que é a sua própria cultura.
Na última assembléia no Palácio Gustavo Capanema, o servidor Paixão, representante do Comando de Greve dos servidores do Rio de Janeiro, ao fazer o seu relato da frustrada reunião com os representantes do Ministério do Planejamento, em Brasília, relatou sua imprensão na convivência de meses com seus interlocutores. Para ele, a visão de cultura desses executivos parece uma coisa apenas de como ir ao museu, ao cinema ou assistir a uma peça de teatro, nada que deixe o país paralisado se estiver em greve, como ocorre com a Polícia Federal ou outro órgão ligado à segurança nacional.
Nada comparado a uma tragédia aérea de avião sobre prédios de uma grande cidade, ou da seqüência de causas dessa tragédia, como a pressão mercadológica das companhias aéreas, a escolha política e não técnica dos dirigentes das agências reguladoras e mesmo da prioridade da reforma dos aeroportos, privilegiando seus shoppings e não as suas pistas de pouso.
Mas tudo é cultura e ela vem antes de todas as prioridades porque se não for assim se torna o maior apagão do país e é o maior elemento da segurança de um povo. Isso porque ela interfere em todos os nossos atos e em todas as nossas escolhas, antes mesmo da hora em que nascemos e bem depois da hora que morremos.
A cultura determina o nosso planejamento familiar sobre a escolha de termos os filhos e quantos, de como vamos criá-los, de como eles serão preparados para a vida e depois na hora da partida, determinaremos se reverenciamos ou não aqueles que deixaram seus legados que podem ser revisitados num álbum de família, numa biblioteca, num museu ou num filme de ficção ou documentário, deixando exemplos para as novas gerações. Estão aí as histórias das civilizações que nos ajudaram a chegar até aqui, num punhado de países que preservaram suas culturas originadas na civilização greco-romana.
A cultura vem até mesmo antes da educação, porque ela determina qual o tipo de educação que deveremos dar ao nosso povo. Começa pela determinação de que o governo seria obrigado ou não a dar um bom ensino fundamental a todos os nossos filhos. E se esse ensino, que não deverá estar apenas na constituição, existirá na pratica em horário integral, como na França, onde se a criança aprenderá outros conhecimentos e valores que o ajudarão na sua formação pessoal e de cidadão.
Nessa questão educacional vai se enraizando na sociedade que o Projeto Bolsa Família seria a única e principal forma de transferência de renda e comida, condicionada ao fato da família manter o filho na escola. E pela iniciativa privada, com o aval da UNESCO, já é cultural o fato de que o Projeto Criança Esperança é a outra forma de inclusão social fomentada por doações, mesmo que a esperança seja eterna e dure várias gerações. É a cultura do assistencialismo envolvendo todo um povo, empresas e a ficção novelística em horário nobre.
Cultura é tudo. É também ver novela, ir ao cinema, ao teatro ou a um show, mas é também a capacidade de ter dinheiro e direito cultural de escolher o espetáculo, de entendê-lo e até mesmo de criar o seu próprio espetáculo, quer na escolha de uma profissão real, influenciada por uma personagem vista num filme, quer criando uma personagem fictícia, como a do bobo da corte ou o palhaço do circo, capaz de questionar até mesmo as ações do seu rei sindicalista, do ministro civil mensalista, da diretora da ANAC, do inventor do PAC, do presidente do senado e dono de gado fantasma, do âncora da tevê atrapalhado, do traficante favelado, do empresário do valerioduto, agora de cabelo implantado ou de si mesmo, personagem de uma cultura surreal que desconfia que tem alguma coisa estranha por aí.
Luiz Pires