O SOM DA MANHÃ
Algumas vezes por necessidade, outras, por hábito, acordava cedo. Mas, nem sempre, apreciava esse costume.
Ao despertar-me hoje, no horário de sempre, lembrei-me de um passado, não muito longínquo em minha vida. Dividia um apartamento com outras meninas na capital. Todas eram estudantes ou recém-formadas. Na verdade, uma república de moças, dentro de um apartamento confortável, na zona oeste de Belo Horizonte.
Havia uma frondosa árvore, bastante comum em alamedas, cujas folhas esbarravam na altura do terceiro andar, onde eu e uma colega dormíamos. Em seus galhos, dormitava um bando de pardais que, às tardes, se recolhiam em algazarra e, de manhãzinha, iniciava com o dia, o seu alarido. Era uma baderna sem tamanho, que se estendia até as sete e pouco da manhã.
Permanecia um pouco mais deitada, a fim de curtir aquele chilreado desentoado das aves, que redundava numa barulhada de acordar a vida.
Esse tempo passou. Passaram alguns sonhos, outros sobreviveram, alguns renasceram mais fortes e pássaros continuam suas cantorias, algures e alhures e eu, acordando cedo, ainda por hábito ou necessidade.
Nessa manhã de hoje, especialmente, reabri os ouvidos da alma para outros pardais, numa outra árvore, defronte à minha casa, recém-construída, no interior do estado. São outra vida, outros sonhos, outras pessoas.
Não poderei negar ser a mesma desconcertada sonoridade, o mesmo desencontro, mas a mesma vida, como vivas são a saudade e as lembranças embaralhadas dentro de minha mente e de meu coração.
Neste momento, ergo os olhos da alma ao Arquiteto de todas as coisas e, como no ensinamento bíblico de que “tudo que respira louva ao Senhor”, elevo as mãos aos céus numa prece, agradecendo pelas experiências leves ou amargas de ontem e de hoje.
O que permaneceu até hoje é que não aprendi a cantar como gostaria, mas, como num lugar-comum, jamais deixei de crer que a esperança se renova em todas as manhãs. Afinado ou desafinado, o concerto de sonhos mantém a sua partitura, numa seqüência perfeita que se reinicia a cada dia, infinitamente...
Dora Tavares