Experiência
Companheiros de mocidade, o comendador Otacílio Fagundes e o desembargador Portela haviam se separado, de repente, em uma das numerosas encruzilhadas da vida. Dedicados, um ao comércio, e outro a magistratura, havia cada um deles seguido o seu caminho, apertando a mão ao companheiro. E nunca mais tiveram noticia um do outro
E, no entanto, haviam os dois prosperado. Dirigindo-se para Santos, onde um tio, velho comerciante de café, lhe oferecia um lugar no escritório, progredira Fagundes rapidamente, até que se tornara, por morte do tio, o único proprietário da casa. Tomando o rumo da Corte, com a sua carta de bacharel, o amigo não havia sido menos feliz. Hábil, maneiroso, aproveitando as situações sem quebra de dignidade, não lhe foi difícil um cargo de juiz em pequena província do norte, onde regressara, afinal, ao sul, como desembargador aposentado.
Quarenta anos haviam decorrido, quase, sobre a separação dos dois infatigáveis campineiros, quando, um destes dias, indo receber um cheque no Banco do Brasil, o comendador Fagundes ouviu gritar, na pagadoria, ao portador de uma ordem de pagamento: - Francisco Ribeiro Portela!
Atendendo ao chamado, aproximou-se empertigado ainda, um ancião de sessenta anos, vestido com distinção, demonstrando nos modos, no porte, nas maneiras, saúde e prosperidade.
Ao anúncio daquele nome, o comendador Fagundes, que assinava o cheque em mesa próxima, voltou-se, rápido, com o peso das suas banhas e dos seus setenta anos, e encarou o outro. E encaminhando-se para ele, indagou:
— É o Francisco Portela, de Campinas?
— Sim, senhor.
— Eu sou o Otacílio Fagundes.
Um abraço enorme, que mais parecia um primeiro assalto de luta romana, selou esse encontro de duas saudades.
— Fagundes!
— Portela!
Três minutos depois estavam os dois velhotes a um canto, de pé, enxugando os olhos, trocando noticias da vida e da fortuna. O capitalista contou, primeiro, como ficara com de a casa do tio; como lhe corriam admiravelmente os negócios; como lhe havia sido, em suma, favorável, no mundo, a roda do Destino. E o magistrado contou-lhe, depois, como subira, como prosperara, como enriquecera, como havia chegado, enfim, ao mais alto posto da sua carreira, no Estado. De repente, porém, o comerciante indagou:
— E constituíste família?
— Eu? Não. Continuei solteiro. E tu?
— Eu casei-me.
— Casaste?
— É verdade.
— Há muito tempo?
— Não. Há dois anos. Casei com uma menina de vinte anos, minha afilhada, e já tenho um filhinho.
— Um filho? — indagou o desembargador, recuando.
E ao ouvido do comendador, indignado:
— E de quem tu desconfias?
Humberto de Campos