13

             Não sou supersticioso. Faço força para não ser. Afinal, não é nada prático submetermo-nos a crendices que reduzem a nossa mobilidade e, conseqüentemente, comprometem-nos a liberdade.
             Meu pai não era supersticioso. Homem sábio, livre pensador. Mas, por uma razão ou outra -- acho que mais pelo pitoresco de sua personalidade — gostava de ter uma ferradura pregada atrás da porta.
             Talvez por essa influência atávica, também tenho certas atitudes superticiosas. Jamais passo por baixo de uma escada. Tenho uma explicação racional: não quero que uma lata de tinta me caia na cabeça ou se derrame em mim. Prefiro mudar de calçada para não cruzar o caminho de gato preto, nem ele o meu. Tenho uma explicação racional: nunca se sabe.
             Com o número 13, a coisa da superstição é grave, é quase unânime a crença em sua relação com o azar. Algumas pessoas dizem que ele é número de sorte, mas não convencem. A certeza do seu poder negativo é tão forte que, asseveraram-me, nos Estados Unidos os hotéis não têm o 13º andar, pulam batido do doze para o quatorze.
             Infelizmente, para minar a minha convicção antisupersticiosa, tenho tido com esse número algumas infelizes coincidências. Por isto, finjo não reparar, mas aprovo em silêncio quando um anfitrião, cuidadosamente, previne para que não se sentem 13 à mesa. Não dá certo. Para isso tenho outra explicação lógica: dá azar mesmo.
             Conheço um sujeito que deu um jantar com talheres para doze pessoas, mal sentaram-se à mesa chegou um cunhado dele, de surpresa. Tocou a campainha, o dono da festa correu à porta e não titubeou, despachou-o, no ato, não deixou que ele atravessasse a soleira da entrada.
             Como um gato preto escaldado em água fria, preveniu-se melhor de outra vez. Encomendou uma mesa enorme e organizou um jantar para vinte pessoas. Não deu outra, faltaram sete! Parecia que a má sorte insistia em abrir caminho. Suou frio. Não dava para esperar mais, alguns dos convidados eram de cerimônia, não havia como arranjar de última hora um novo convidado, para desinteirar o número treze, nem era possível enxotar alguém, como ele fizera com o seu atônito cunhado (nunca mais se falaram). A solução foi inesperada: pela primeira vez em sociedade, um garção sentou-se à mesa que deveria servir, ante os olhares incrédulos e o constrangimento dos convidados.
             Pelo que sei, esse camarada jamais voltou a dar jantares com lugares marcados. Passou a fazer churrascos, que se não convinham a sua elevada e sofisticada posição social não envolviam o risco de ter ele que voltar a pôr empregados sentados a sua mesa.
             Um dia desses, encontrei-o na rua, confidenciou-me, teve de despedir aquele garção, que a partir do tal jantar nunca mais foi o mesmo, deu de tomar liberdades, de dar-lhe tapinhas nas costas. Ele agüentou um tempo, antes de mandá-lo embora, mas só até o dia em que o confiado tratou sua esposa por minha querida...
             Foi a gota dágua. Olhou o calendário, era dia 13. Sexta-feira!

Goiano Braga Horta
Rio de Janeiro, sábado, 13 de novembro de 1998

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