Olha o passarinho!
O ponta-grossense vive de uma última e imediata apoteose. E algo lhe é sumariamente inconcebível: o anonimato. Nada tão suntuoso, tão convencional que adestrar, com colheres de sobremesa, a vaidade princesina. Sim, o ponta-grossense nasce com uma finalidade: morrer em colunas sociais. Os nossos periódicos diários são como os Samson's, como os destemidos jacobinos da queda da Bastilha. Decapitam-se mais indigentes com lentes fotográficas, com meia dúzia de palavras, do que grandes burgueses com a guilhotina. E por quê? Perguntará o leitor destas humildes afirmações. A resposta está justamente nos meios de comunicação. Ora, os meios de comunicação urram pelo óbvio.
Pois bem, imaginem que outro dia estive lendo a coluna de nosso famigerado jornalista Adail Inglês ou, como gosto de chamá-lo, “O Chatô dos Campos Gerais”. Todos sabem que ele é o acionista majoritário do Diário da Manhã; todos o conhecem pela exótica penugem de andorinha que lhe ilustra as bochechas patrícias, todos o ouviram, viram, leram, alguma vez, suas incontestáveis profecias. Quem o reconhecer há de abraçá-lo e dar-lhe alpiste na boca. Homem virtuoso, de um virtuosismo admirável. Não há predicados a lhe acrescentar. Nosso Chatô em determinado momento gritara por si mesmo: — “Tragam-me a bacia, tragam-me a bacia. Eis que o futuro de Ponta Grossa é nebuloso!”. Meses depois muitos de seus insofismáveis vaticínios nos cuspiam na cara três afirmações. Nem mesmo o Apocalipse de João hipotecara a certeza com tamanha ruína, nem mesmo o Apocalipse de João predizia nossa alma tirolesa com arguto rigor. Não, não... O apóstolo jamais contou carneirinhos pensando em Ponta Grossa, nem perdera meio versículo do evangelho com Ponta Grossa. O ponta-grossense é um subnutrido bíblico.
Mas, enfim, estou eu lendo a coluna de nosso Chatô e, de súbito, me deparo: — “Não há e não houve um único e escasso penacho ponta-grossense em Brasília”. Faço uma pequena retrospectiva, consulto o Google, os verbetes do Wikipédia, comunidades no Orkut, a minha enciclopédia Larousse, o manual do escoteiro-mirim do Tio Patinhas e nada. Nada! É como se o político ponta-grossense contraísse salmonela e estivesse de quarentena, jogando caixeta em alguma unidade do Sistema Único de Saúde à espera de sua missa de sétimo dia. Para Ponta Grossa Deus não existe ou vice-versa. Lembro-me de um personagem de Dostoievski que, inclusive, diz o seguinte: — “Se Deus não existe, então tudo é permitido!”. Acho que foi Smierdiákov. Não, não. Foi Ivan Karamazov. Isso, Ivan. E depois ficou louco. Conversou com o diabo e ficou louco. No julgamento do irmão a insanidade lhe falou mais alto, acusaram-no de demência. Isso, ficou doidinho da Silva. O irmão não foi absolvido.
E compreendam vocês o fato. Todo ponta-grossense goza da popularidade promíscua. É um doidinho da Silva, um Narciso com fome de favelado. Não se absolve nem na Quaresma. Exato, o Diabo lhe deu uma gula e um estômago de camelo. No entanto, cabe ressaltar, o ponta-grossense é um faminto desculpável, um faminto de simpatias. O fotógrafo, o cinegrafista, o contra-regra, o iluminador são feriados, velas de sete dias, o santo que baixou na mesa e etc, etc. Há de ser decretado feriado municipal em nome das colunas sociais!
Vejo a segunda quinzena de maio, igreja do Rosário repleta, vazando pessoas pelas janelas e o Cléon Costa benzendo um monte de fieis e lavando os pés dos leprosos. Flashes da ressurreição, o zoom dos milagres e uma multidão neurastênica, gritando: — “Fui arrebatado por uma Polaroid, fui arrebatado por uma Polaroid!”. Arrebatado por uma Polaroid... Enquanto em Brasília, bem... Brasília é uma outra história.
Diego Ramires