Esse massacre sistemático a que chamam campanha antitabagista está se transformando, isso sim, em neurose coletiva. E pior: me cheira a “lobby”, ou a uma dessas manias que a cada cinco, seis anos canaliza a energia de todo o planeta para mais uma bandeira de última hora. Agora o vilão é o fumo — e tudo o que vem atrás dele: cigarro, cinzeiro, fumaça e, claro, os amaldiçoados fumantes.
Convenhamos: qualquer adulto sabe que fumar faz mal à saúde. Assim como beber, ganhar pouco ou conviver com a mediocridade. No entanto, não tenho notícia de nenhuma cruzada contra bêbados de fim de noite, programas de calouro pela tevê, ou de algum ataque frontal aos rodízios de pizza. Aos fumantes e seus perniciosos cigarrinhos, em compensação, é destinado todo tipo de impropério, desaforo, além de pragas de vários calibres.
De repente, não se sabe de onde, o movimento “mate um fumante por dia” começou a crescer e ganhou dimensões assustadoras ou francamente ridículas. Quem, hoje em dia, tem o desplante de acender um cigarro em público é olhado com o pesar que só merecem os moribundos, ou com a ira destinada aos assassinos. Experimente pegar seu macinho de cigarro em meio da reunião com amigos, ou no restaurante, depois do café, para aquela indescritível e prazerosa baforada. Todos os olhares se voltam para você e, invariavelmente, começa a cantilena. Os mais contidos desafiam um rosário de ameaças à saúde. O resto fica francamente mal-humorado, ostentando muxoxos e torcendo o nariz agredido.
Sem contar as constatações “científicas”, os gráficos, os números implacáveis que povoam a mídia incansavelmente. “Você está se matando”, martelam dia e noite. E, pior, matando seu vizinho que — está provado, não sei por quem — fuma sem querer e caminha com você para a cova.
Proponho o seguinte: vamos retomar o bom-senso e deixar aos fumantes, esses monstros autodestrutivos, a triste sina de poluir o próprio organismo — desde que respeitem os limites da civilidade, é claro. Aliás, como sempre aconteceu desde que o mundo é mundo, ou desde que o Humprey Bogart consagrou o cigarro como um hábito charmoso.
Além disso, a fúria dos antitabagistas pode ser desviada para os motoristas e sua poluição com monóxido de carbono, ou para os agricultores e as toneladas de agrotóxicos com que envenenam nossas verduras. Que tal uma passeata em frente às chaminés de fábrica? Pode ser um bom programa para quem está precisando descarregar raivas ancestrais.
Caso contrário, sugiro que aquele aviso chatinho e petulante que acompanha os comerciais de cigarro, apresente-se também, de agora em diante, em todos os produtos nocivos à saúde — incluindo aí carne vermelha, destilados e fermentados em geral, político corrupto, chatos de plantão, açúcar branco, música da Angélica e cidadãos com tendência a coibir a liberdade alheia.
Carmem Cagno