A cozinha de Vitalina
Quem entrasse na cozinha de Vitalina nunca desconfiaria de que na prateleira, dentro do pote de açúcar, morava uma fada. Como quase ninguém acredita em fadas, não foi preciso muito trabalho para ocultar a da cozinha. Vitalina deixava-a solta, livre para sair quando quisesse do pote de açúcar. Chamava-a de Dona Moça.
Dona Moça tinha gostos de moça. Gostava de flores no centro da mesa, paninhos de crochê cobrindo as prateleiras, cortinas coloridas na janela e toalhas bordadas em ponto de cruz. Ela e Vitalina eram tão unidas, que, se Vitalina não fosse bruxa e Dona Moça não fosse fada, dir-se-ia que eram uma só. Mas como uma era bruxa e a outra era fada preferiram dar um pontapé na tal unidade e se fizeram múltiplas. Eram tantas, que às vezes não se sabia quem era a bruxa e quem era a fada.
Quando Vitalina morreu, Dona Moça se encolheu dentro do pote. O açúcar foi empedrando, as flores do centro da mesa murchando, os paninhos engordurando, a cortina outonando e as toalhas manchando. Em pouco tempo as traças comeram os panos, os cupins devoraram as madeiras e misteriosamente o papagaio (único ser masculino permitido na cozinha) empalhou sem ninguém o ter empalhado. Dona Moça amarrou uma trouxa na ponta da asa, trancou a casa e mudou-se para outro pote. O tempo passou, e um dia desses me contaram a historia de uma mulher que tinha uma fada e uma bruxa dentro de um pote de açúcar.
Marcia Frazão
(texto extraído de meu livro, O Caldeirão da Prosperidade , editora Planeta)