Morada das Nuvens

Talvez este lugar nunca existiu, inconsciente, tento crer, mas baseado no fato de que uma dúvida não justifica o impossível, saio de mim por respeito, vago por minhas crenças e deixo-me levar pelas sensações como se lá despertasse já refém e cotidiano. Que das palavras seja feita a descrição do lugar – Morada das Nuvens – ponto de partir ou de chegar, em um momento de encanto ou convulsão, sem que seja violada qualquer lei natural, semperturbações tolas, tendo em vista que foram adequadamente escolhidas por pessoas sensíveis que não mais existem. O momento é de meia-luz e a solidão do lugar me conduz pelos recantos dos meus segredos, pelas lembranças tantas, palavras poucas, e decido parar próximo ao lago para ver a névoa desprender-se do espelho d'água e lentamente sumir, delineando as garras do dizer de um adeus que insiste em não partir. Vejo algumas pessoas do lugar, o boêmio tísico e romântico, a mulher das flores de plástico, a menina procurando seu anel – vejo nuvens passageiras – a dama de cabelo azul. Todos vindo em minha direção, trazendo no andor uma correntevolátil e sombria que do meu ponto de vista, parecia conter a imensidão do vazio entre dois mundos muito próximos, mas ao longe, opostos, não muito diferentes. Penso estar compondo apenas mais um elo dessa corrente ao tempo, mas decido voltar e não me surpreendo ao concluir que a existência de Morada das Nuvens pode ser em qualquer lugar, qualquer tempo, ou até mesmo situações, e justifico tais sensações ao optar por prosseguir meu caminhar, fazendo questão de ver o sol nascer para resgatar a natureza das trevas em um momento de sutileza do universo – nada sobrenatural, uma vez que o amanhecer é nosso passo primeiro rumo ao fim – ao fazer surgir um anjo na forma da explosão de luz no orvalho da relva rente ao chão, uma jóia esquecida, que certamente haverá de brilhar por todas as manhãs da eternidade que me resta. Volto correndo para dizer que encontrei... mas ela já se foi.

G. Reinicke

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