Pessoas chocantes
Pessoa chocante não é a que tem por mau costume chocar as outras pessoas. É a que persiste no vício enclausurante de não chocar a si mesma, dando á luz ou ao novo que tem o dever de fazer aflorar em si. Há criaturas (bípedes pensantes) cujas vidas entram em paralisia de pântano. Sua estagnação vem da recusa em chocar a vida nova, enclausurada na casca de ovo que são – e toda criatura o é, em um sentido simbólico.
Recusar-se a romper as estruturas do medo de viver é manter-se em morte viva de normose ou mesmice. Não irromper da rigidez para o movimento, permanecer em antecipado rigor mortis, antes de passar pela leveza permeável e flexível das crianças, é uma forma de antecipar em nós os poderes da morte. Significa enclausurar-se em caverna escura, de onde nada sai, e onde nada penetra.
Não sair do ovo, temendo os perigos do mundo, é retroagir a ave futura em ovo goro – por medo ou pirraça mantendo a si mesmo como sub-ser cavernoso – milagre falhado, sem serventia para os outros, desprovido de futuro para o mundo – para que foi nascido – e até para si mesmo demitido de sentido.
A vida enxota os que entulham os seus caminhos. Viver é colocar-se em marcha – não estancar o fluxo do eterno movimento de tudo o que vive. Pois, nesta vida, segundo Heráclito, tudo muda o tempo todo. Só a mudança não muda nunca. Vida é movimento. Quanto mais muda um ser humano, mais vitamina a si mesmo. Se for artista, ao conceber uma divina canção, abraça a si mesmo, na intenção universal de abraçar o mundo.
Vertigens de ventríloquos
Há por toda parte uma triunfante e vertiginosa exaltação do poder que nos dá o fato de ser bem informados. Poder para que? Há de se perguntar, uma vez que quanto mais informação rola pelos megabytes das mídias eletrônicas (para não falar das outras, mais lentas), mais desastres e absurdos são provocados por pessoas tidas como bem informadas.
Esquecem de informar os idólatras dos super-poderes da informação que acreditar não é saber. Cultura não é saber por ouvir dizer. Um saber não processado torna-se um caos desenxavido, sem alinhavo ou cerzido que lhe dê algum sentido. Tem o valor protéico de um veneno bem ou mal digerido. Informação só dá poder quando se processa o que se sabe – e quando se acredita porque se sabe. De nada vale ter internet banda larga e só emitir e receber banalidades – desperdiçar o tempo tornando-o inútil e pernicioso no corromper a mente com mesmice de babaquices e bandalheiras.
Montanhas de informações não processadas vêm da vala rasa da cultura inútil, sem conexão com as leis que regem a vida. Não resultam em cultura, e menos ainda em sabedoria. Têm a duração de um punhado de algodão doce na chuva. Naqueles, néscios bem informados que as acumulam, restam a-cúmulos ridículos de vaidosura. E a doce ilusão de terem se beneficiado daquilo que não podem digerir. Pior é que passam por sábios, feito ventríloquos tagarelas, papagaios rastaqueras, e esgoelar-se em tagarelices, enquanto propagam à praça que são os novos reis da cocada preta.
Brasigóis Felício