ASES DO VOLANTE
O piloto de corrida está ao volante de sua possante máquina: Sua meta é a vitória, o prêmio, a consagração popular, e para isso ele precisa demonstrar sua superioridade técnica e arrojo perante os demais concorrentes.
A pista está limpa; os fiscais, alertas; ele sabe que o "safety car" entrará sempre que for necessário; o risco de invasão da pista é praticamente nulo.
Ele se sente capaz de tudo, e precisa dessa motivação para superar seus adversários, que também estão concentrados e ansiosos. Alguns destes não têm máquinas tão potentes. Por conta disso, podem até atrapalhar os pilotos de ponta; mas, nesse caso as regras são claras: quem estiver lento ou for retardatário deve abrir passagem, sob risco de desclassificação e multa.
A pista não tem limite de velocidade, semáforos, faixas de pedestres, etc., portanto, cada piloto deve descobrir o limite do binômio piloto/máquina em relação a ela. Aí, o arrojo é indispensável: "encostar o bico" no carro da frente é um recurso lícito para intimidar e desconcentrar seu piloto; retardar a frenagem até a entrada na curva pode garantir uma ultrapassagem fenomenal; emparelhar na reta, dar um "chega pra lá" ou fechar na curva; se enfiar onde não há espaço: pela esquerda, pela direita ou pelo meio; tocar o adversário; fazer um "x"; subir na "zebra", enfim, vale-tudo! Pois todos os competidores sabem que suas carreiras dependem dos resultados. Assim, jogar o outro na grama, na caixa de brita, na proteção de pneus ou coisa pior faz parte do jogo.
Todos são solitários em seus "cockpits", onde tentam raciocinar, evitar erros, antecipar as ações e reações dos demais; defendem a posição ("fechando a porta") ou partindo para cima. Quem não agüentar a pressão que pise no freio, "recolha" e deixe o melhor passar. Se não agüentar...
Pois que largue o ofício e vá pilotar carrinho de supermercado! Assim, a velocidade e a ousadia são os trunfos para os triunfos dos
grandes pilotos de corrida! E é isso que os torna ídolos, aclamados pelos torcedores. Mas, eles não se arriscam tanto assim: seus macacões, sapatilhas, luvas e balaclavas são resistentes ao fogo; seus capacetes protegem a cabeça e as primeiras vértebras; bombeiros, paramédicos, ambulâncias e helicópteros de resgate estão a postos.
Tudo é um grande e organizado espetáculo! E o autódromo é o templo desses ases do volante, que sabem que estão ali para "voar baixo" atrás da consagração, graças às suas "super licenças" de pilotos.
Mas, o que dizer dos que pilotam da mesma forma, só que nas estradas e nas ruas das cidades, onde as regras também são claras, mas diferentes? Suas motivações não são a pressa e a ousadia (quase sempre nem há motivo para pressa ou para disputa de colocações). O que os faz acelerar é o mimo paterno (que na verdade é omissão), problemas de auto-afirmação...
Eles não vêem que quem está a sua frente ou ao seu lado não está competindo, mas: trabalhando; levando filhos para a escola; viajando, de férias...
Desconhecem que, até nas competições, quem "queima" o sinal vermelho é punido; não percebem que suas manobras "radicais" não provocam acidentes não porque eles são ases do volante, mas porque os outros antecipam suas besteiras.
Não usam capacetes com sobreviseiras removíveis, mas bonés virados, óculos escuros, expressões desafiadoras. Eles não têm fãs: Seus enormes e distorcidos egos lhes bastam. Não usam seta ("e carro de corrida usa?", devem pensar); dirigem com uma mão só, pois a outra, normalmente, está pendurada para fora, segurando um cigarro. Mas também há os que devem pensar: "Meu carro é potente e sou rico, então, eu posso fazer o que eu quiser".
Parece que todos eles encaram suas habilitações como "super licenças" para "barbarizar" no trânsito, prejudicar e, no limite, matar inocentes.
Homicídio culposo ou, definitivamente, doloso?
São ases do volante? Não! São asnos no volante!
Adilson Luiz Gonçalves