Escrevi a crônica abaixo em 1999, quando estava em maratona de viagens para lançamento do meu livro “A Magia do Cotidiano”. Arrumando a mala para ir para o Encontro da Nova Consciência em Campina, e tomada de profundas dúvidas existenciais sobre o que levar, lembrei-me da crônica. Quero acrescentar que hoje (***) )são três livros que ando por aí autografando e vendendo. O que multiplica por três o transtorno (e o peso). E nem venha me dizer “pois eu sou prática, passo dez dias com uma malinha pequena...” Eu não sou prática e para onde vou levo todas as minhas tralhas.

FAZENDO AS MALAS

No livro “A insustentável leveza do ser”, de Milan Kundera, um dos personagens convida o outro para um fim de semana em Palermo, na Itália. “Não”, reponde o outro. “Já conheço”. “Você já foi a Palermo?” pergunta o primeiro. “Não. Mas já vi um postal.”

É exatamente assim que eu me sinto quando alguém me chama para viajar. Quando alguém me acena com a possibilidade de uma viagem eu penso logo em... postais. Ficar sentada no meu ar condicionado, com todos os meus controles remotos e as minhas engenhocas eletrônicas à mão, olhando uma imensa coleção de postais, sem a menor necessidade de sair por aí, de ônibus, trem ou avião, a me despencar mundo afora. (1)

Ah, meu caro leitor. Esse meu ascendente em Capricórnio faz isso comigo. Me deixa pregada na terra, com os cascos bem plantados no solo, sem a menor intenção de me aventurar pelo meio do mundo. (2) Uma viagem implica em coisas que me deixam absolutamente traumatizada, sendo a principal delas a arrumação deste terrível e amedrontador objeto: a mala.

É o maior problema: o que levar? Apesar de Glorinha Kalil e outras experts em elegância feminina dizerem que com sete peças básicas – um vestido preto, uma saia preta, uma blusa branca, um jeans, uma camiseta branca e outra preta e um blazer preto ou azul marinho – qualquer mulher fica bem vestida em qualquer ocasião, apesar de ter as tais peças e de colocá-las em primeiro lugar na mala, eu sempre me lembro de vinte ou trinta outras peças, também básicas, e também indispensáveis, sem as quais simplesmente não existo.

Se eu for vestir somente o guarda-roupa básico das famosas sete peças, com certeza ficarei com cara de yuppie o tempo todo. Então é preciso levar umas blusas coloridas, aquela túnica indiana, mais umas duas saias, aquela blusa azul que eu adoro, e o blazer de seda para se aparecer uma ocasião mais fashion. Não dá também para esquecer as meias e a roupa que se veste por baixo, e que se convencionou chamar de lingerie porque em outros tempos era toda confeccionada nesse maravilhoso tecido.

É preciso também levar uma camisetinha velha e macia para dormir, e isso é bom porque nesse caso não preciso levar o robe de seda. Mas... e se me der vontade de dormir de camisola? Na dúvida, vão duas camisolas, o robe de seda e duas ou três camisetas velhas.

Outro problema são os sapatos e as bolsas. Um baixo, um alto, uma sandália, um tênis, e as bolsas que combinam. Haja volume. E as inúmeras “necessaires” com maquilage, bijuterias, remédios, material de costura - porque se cair um botão ou desmanchar uma bainha eu estou prevenida. Tem ainda o escritório portátil com caneta, lápis, borracha, régua, estilete, clipes e outras bobagens sem as quais a vida se torna uma tarefa dificílima. O caderno, onde escrevo sempre, a agenda, a máquina fotográfica, o gravador portátil, as fitas cassete (3), o telefone celular, o carregador e bateria sobressalente, e os disquetes (4).  

Preciso levar também o meu baralho, lógico, pois posso precisar fazer uma consulta às possibilidades, e também uma vela e o pacote de incenso. (5) O livro que estou lendo no momento e mais uns dois ou três se quiser variar a leitura. Finalmente um chapéu, que ocupa um espaço danado na bagagem e não dar para ir com ele na cabeça porque senão fica imposssível me encostar direito no banco para cochilar. E, é claro, o travesseirinho que mamãe fez para mim, que me ajuda a dormir durante o trajeto.

É por isso, caro leitor, que detesto viajar. (6) Carregar toda essa tralha comigo e ainda os quilos e mais quilos do meu novo livro, que pesa 270 gramas cada volume, (7) faz das minhas viagens uma verdadeira maratona. Então, deseje-me sorte porque neste fim de semana estou viajando, cumprindo roteiro de lançamento de livro e palestras nas terras paraibanas. Quando voltar, conto as novidades.

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(***) Esta intróito foi escrito em fevereiro de 2006.

(1) Ultimamente tenho gostado muito de viajar, e tenho viajado muito. A gente muda.

(2) Algum planeta deve estar passando em local estratégico do meu mapa, ampanando essa energia terra de Capricornio e ativando meus planetas em Sagitário (Sol, Jupiter e Mercúrio). Com a palavra meus amigos Waldemar Falcão e Lígia Tavares, que entendem dos mistérios astrológicos e podem explicar isto.

(3) Ainda não comprei um desses modernos e minúsculos, que gravam am MP3. Mas está na minha lista de desejos. Salustiano Fagundes, que ficou de ver isso pra mim, está me devendo uma resposta.

(4) Agora são CDs.

(5) Continuo levando o baralho mas dispensei as velas e o pacote de incenso. Meus gatilhos neurológicos vivem ativados, e não preciso mais de muita coisa para "entrar numas".

(6) Veja a nota (1)

(7) Agora são três livros: esse aí de 270 g, um de 230 e outro de 180. Estou levando, nessa viagem, dez de cada, o que dá 6,8 kg.

Clotilde Tavares

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