O Espírito de Imitação

Quais são os verdadeiros responsáveis por este feio vício da humanidade e quais os meios práticos de combatê-lo

               Os brasileiros têm sido muitas vezes acremente criticados pelo seu espírito de imitação. Mas, santo Deus! Esse defeito não é um privilégio nosso, e, portanto, não devemos nos orgulhar nem tornar vaidosos por isso. Todas as mulheres e todos os homens de todas as nacionalidades, sem distinção de cor, de raça, de credo político ou religioso, imitam-se uns aos outros.
               São responsáveis por esse feio vício da espécie humana:
               1) Darwin, que demonstrou a nossa descendência em linha reta do macaco;
               2) os moralistas, que, sendo uns errados na vida, tomam uns ares de bons moços e nos aconselham a imitar tudo o que é bom; e
               3) as senhoras literatas que escrevem livros sobre "boas maneiras", mostrando com fotografias como se deve levar a colher à boca diante de gente de cerimônia.
               O espírito de imitação é uma coisa tão arraigada na alma humana como os cabelos que nascem nas axilas. Pode-se tentar arrancar pela raiz esse espírito, da mesma forma que as senhoritas grã-finas arrancam os cabelos das sobrancelhas. Mas dó. E os desgraçados voltam com mais fúria.
               Não se podendo, pois, extirpar definitivamente o espírito de imitação, o melhor que se tem a fazer é combatê-lo sistematicamente, nos seus impulsos primitivos, para moderá-lo ou corrigi-lo.
               Mas isto não pode ser feito como pretendem os moralistas de aluguel e as damas que se dedicam às regras do bom-tom.
               O cavalheiro educado que deixar de fumar no bonde, havendo senhoras, passa, daqui a pouco, pela tremenda decepção de ver as senhoras fumarem sem consultá-lo. E aquele outro que acreditou no lero-lero de que a galinha assada se deve comer de faca e garfo acaba deixando no prato justamente a parte mais gostosa, que é aquela que está grudada nos ossos e que só sai quando se pega a bicha à unha.
               Os incautos que procuram seguir à risca as recomendações desses falsos educadores recebem os mais desbragados elogios por terem imitado tudo o que eles acham de bom. Dessa maneira, em vez de se combater, o que se faz é estimular ainda mais o espírito de imitação.
               O melhor método para se combater essa herança que recebemos dos chimpanzés nossos antepassados consiste em fazer tudo ao contrário do que nos recomendam.
               Só assim conseguiremos deixar de usar essa coisa horrível que é a roupa nos dias de calor e particularmente aquele lencinho sujo de suor, mas muito bem dobradinho e com as pontas de fora, no bolso do casaco.
               Só então, completamente libertos, poderemos pensar em realizar esse velho sonho de comer peru à brasileira com a mão e beber vinho com barulho diretamente da garrafa, sem receio de manchar o peito da camisa.

Barão de Itararé

Do livro: Máximas e mínimas do Barão de Itararé, org. de Afonso Félix de Sousa, 4ª edição, Editora Record, 1985, RJ

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