Esposas e cupins

Já se disse, com precisão, que os maiores inimigos das bibliotecas são as viúvas e o cupim. É que as mulheres, que tanto recriminaram os maridos falecidos pela acumulação de livros, são rápidas em deles se livrar, a qualquer preço, a qualquer custo. Sem falar que, em vida, atormentaram os companheiros por conta da compra de livros, alegando, com certa razão, que muitos deles jamais seriam lidos. (A propósito, tive como vizinhos casal de médicos ilustres de Brasííia. O varão do casal trazia escondido, debaixo do paletó ou da camisa volumes que trazia da livraria, sem que ela soubesse, temeroso de suas reclamações. Adquirem-se livros para ler, para ler, quando tempo houver, para ter sua posse e eventual uso, para acumular. E não são apenas as esposas severas que criticam tais hábitos de consumo. Tenho amigo que não casou, nunca teve vícios, a não ser o de formar numeroso acervo bibliográfico que guarda em casa, vizinha aquela em que reside e que esta reservada apenas para ser sua biblioteca. Não tendo mulher para recriminar tal hábito, ouve das irmãs — de que não depende materialmente —, severas reprimendas por chegar, da rua, a cada final de expediente, com pacote de livro debaixo do braço. O vício de reunir livros é vicio como outro qualquer.
Cupim
O cupim é voraz devorador de livros. Se o deixarem livre, em pouco tempo, reduz uma biblioteca a pó. No Ceará, atribui-se-lhe o severo exercício da critica literária. Há casos de destruição de enorme acervo bibliográfico, à exceção de três quatro autores cabeças chatas cuja criação é sempre poupada. Sua qualidade desperta fastio insuperável de parte de tais insetos.
Sem direito a livros
Um amigo se apaixonou pela primeira namorada a quem reencontrou, em bom estado de conversação e por ela, abandonou casa, mulher e filhos, saindo apenas com a roupa do corpo. Julgava que tal desprendimento atenuava a mágoa e o despeito da cônjuge abandonada. Quando quis a posse de sua biblioteca, ouviu sono e inafastável ”não” da ex-mulher.
Sem direito à mulher
Um outro, infatigável autor de obras não compradas nem lidas por ninguém, a cada semestre publica novas criações literárias contra que se armou conspiração do silêncio. Não são consumidas nem faladas, nem objeto de comentários na imprensa. A cada revés, ele dobra a tiragem das produções que se foram acumulando nas estantes, guarda-roupas, no meio da casa, atrapalhando o trânsito e amontoando os móveis. Era tanto livro que em pouco não tinha lugar para mais nada. Nem para a mulher. A musa inspiradora julgou-se sem espaço em casa e na vida dele e lhe deu as contas. Terminou expulsando-se casa com sua fecunda literatura. Teve de alugar apartamento para morar e quando se mudou percebeu que, depois de reunidos os livros, não tinha lugar, sequer, para a cama onde repousar, dormir. Descansa ao lado de outros rejeitados, seus filhos literários.
Livros roubados
Um dia desses, Paulo Elpidio me indagava sobre quantos livros mal adquiridos guardava eu em minhas estantes. Nunca cometi muitos crimes nesta area porque meu negocio nao era juntar livros, era lê-los, consumi-los. Como pedia emprestado, tratava de os devolver para conseguir o acesso a outros. Lembro-me, porém, de que um nunca devolvi e até hoje não sei porque: Recordações de Isaias Caminha, aquela crítica severa e bem humorada de Lima Barreto aos jornais e cronistas cariocas de seu tempo. Também não gosto de quem se apodera de meus livros, por empéstimo, e não os devolve. Cobro, quando é preciso, e fico com raiva do relapso ou desonesto quando vejo ser vã a cobrança.
Para rolar
Para mim, o livro é para ser lido e lido por muitas pessoas. Inclusive os que dou aos amigos cometendo, às vezes, a gafe de lhes pedir que, depois de consumi-los, os passem a outrem, a terceiros, para que mais gente participe desta felicidade, o prazer de uma boa leitura.

Lustosa da Costa

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