MEDO DA PALAVRA, POR QUÊ?
Palavra puxa palavra, não é demais repetir, principalmente num texto como este, a cuja construção fui levado por causa de leituras intrigantes na imprensa e na internet. Quem disse que não se lê mais? Que não se lê na internet? Meu ensaio “A Leitura e o Mundo Imaginário”, no site Usina de Letras, teve 11.480 leituras, nestes últimos três anos.
Tenho, pois, duas opiniões lidas em artigos da imprensa. A primeira, do mestre do humor, Millôr Fernandes, onde proclama o que todos nós sabemos – que “a palavra futebol é, talvez, a mais universal da nossa língua”. Muito universal, eu sei. Quis dizer do esporte, não? Mas não é mais universal do que Deus , pela antiguidade, é? Ainda bem que ele colocou um “talvez”. Devemos ter cuidado com a palavra, sem medo. Na forma pessoal de escolher as palavras (todos nós temos a nossa), ele diz, no mesmo artigo, entre outras de uso comum no futebol, que córner virou escanteio e que para ele ficava melhor córner mesmo. A verdade é a dele e não mais a da língua, que adotou escanteio . Correto? O texto de Millôr saiu na revista Veja desta semana (13-2-2008).
No reino da internet há muitas palavras que já poderiam ter sido aportuguesadas (e isto cabe à iniciativa dos escritores, gramáticos, etc.). Por exemplo: e-mail. Por que não usar simplesmente imeil, com plural imeiles? Outra já referida acima é site. Por que não saite/saites? Poderia ser sítio também, mas não é fácil pegar, uma vez que o vocábulo inglês já é uma metáfora. Não soaria bem pra nós a palavra sítio, com dois sentidos. Outro assunto no reino da palavra, mas agora como expressão ou expressões que desfiguram o que a gente já possuía e bem. É mostrado pelo articulista J.R. Guzzo, pg. 60, do mesmo órgão e data mencionados. Guzzo acentua, num tom saudosista: – Hoje, em vez de imprensa usam “meios de comunicação” ou “mídia” ; no lugar de jornalistas estão os “fornecedores de conteúdo”; em lugar de reportagem, artigo, programa de rádio , etc . tudo isto está sendo englobado como “produtos”; e mais expressões novas como “convergência de meios ”, "plataforma de multimídia”, etc. No mundo contemporâneo há muitas invenções, muita tecnologia; tudo bem que alguma parte do discurso seja adaptada. Porém ele complementa: “Nada disso quer dizer que se vivia num mundo melhor do que o de hoje – ou pior. Era apenas diferente, e de todas as diferenças a mais interessante provavelmente está no fato de que nesse mundo não se falava, como se faz hoje com freqüência cada vez maior, que os jornais e revistas, daqui a mais algum tempo vão sumir da face da Terra, como sumiram os cigarros Petit Londrinos”, o cachorro Rin-tin-tin e a Rede Mineira de Viação. Tais profecias são feitas, em geral, com entusiasmo, com alegria – inclusive, e curiosamente, nas próprias empresas de jornais e revistas.” . E nas editoras de livros, acrescentaria, e nas escolas, e pelos professores.
Parafraseando J. R. Guzzo, diríamos que não nos surpreenderá se, de um momento pra outro, todo o mundo, inclusive as empresas fabricantes de produtos tecnológicos, começarem a sugerir e pregar o fim do “alfabeto”. Aliás, já estão sugerindo. Num programa da Discovery Channel, espertos chimpanzés desenvolveram uma linguagem totalmente isenta da palavra e se comunicam por sinais, imagens e sons. Finalmente encontramos quem tem medo da palavra: os chimpanzés e os preguiçosos. E com eles o mundo não avançaria um passo. Teríamos retroagido ao início de tudo: a caverna.
Francisco Miguel de Moura