AFOGADO EM COPACABANA
Meu celular morreu afogado em Copacabana na última sexta (21/9) , às 11h35. Nem tente me ligar até terça, não há como reanimá-lo.
Por mais que tentasse fazer uma respiração boca-a-boca, ele não mais emitia sinal. Seu display apagou eternamente e qualquer transplante custaria mais do que uma nova vida. Sua agenda, suas fotografias, seus vídeos, mensagens de texto e torpedos migraram para um terreno de maresia, nuvens e neblina– inacessíveis às mãos, talvez agora vizinho das pipas desaparecidas entre os morros.
Estava com a família descansando na praia. Experimentava a discreta harmonia de férias. Uma felicidade de não me fixar em nada a não ser em manter a felicidade pelos próximos minutos. Brincava de cavar com o Vicente e recebia o sol com a disciplina dos grãos do café. Diante de qualquer ameaça à tranqüilidade, respondia com determinação. Reclamei de Ana que - involuntária - derrubou areia na sacola dos livros e documentos.
Admiro sua capacidade de transferir a culpa. Não é gozação, reconheço sua virtuosa naturalidade de me descobrir culpado antes de cometer um crime.
- Ana, toma cuidado com o balde. Pô, vai encher os papés de terra!
- A culpa é sua, que deixou a sacola aberta.
- Ah, o erro foi meu...
Vejo que nunca serei devidamente prevenido. Ela tem uma vidência vingativa. Depois de um banho gelado na orla, fui matar a sede, me distrai e virei a garrafinha dentro da sacola. Quase impossível descrever minha idiotice. Pequenos goles rumaram para as teclas do celular. Deslizaram no teclado luminoso, fingindo limpar a resina do dia. Conclui que fosse uma banalidade contornável com a camisa. Usei os punhos do algodão e o celular apagou para sempre. Ficou inteiramente embaçado. Sem tempo de reação. Deu uma tragada funda e engasgou na fumaça.
O que era uma manhã intocável transformou-se num tormento. Em trânsito, não teria como receber ou efetuar ligações, dependia do celular para cobrir o trabalho a distância e confirmar palestras em aberto. Não existia forma de trocar de aparelho em outro estado, inútil correr ao conserto para o atendente fuçar e limpar a caixa interna e logo completar: - Desculpa, fiz o possível.
Custosa uma viagem para o Rio de Janeiro, organizar frestas no calendário, conter a ansiedade do filho, que preparou uma contagem regressiva há mais de um mês. Toda a alegria arrruinava-se em um gesto desequilibrado. Franzinho e atolado em preocupação, teimava em mexer naquele bicho escuro desfalecido, não mais encantado com a luz soluçando, as ondas escorregando pelos ouvidos e a sucessão de campos de futebol pela extensão albina. Ansiava voltar para casa, como um menino contrariado.
Por um aparelhinho, perdi meu entusiasmo. Que euforia é essa? O quanto ainda sou inapto para aceitar que não preciso ser chamado para atender, procurado para me encontrar. Não admito nenhum desvio do que planejei.
Inconsolável, prossegui cavando o túnel para minha criança. Na areia, encontrei uma vela branca de Umbanda.
Acendi e rezei para que fosse salvo de mim.
Fabrício Carpinejar