O DENTE DE DESCARTES

Hoje acordei com dor de dente. Se você está sentindo dor de dente também, com todo o conhecimento de causa que adquiri nesta manhã, permita-me lhe dizer: você merece! Vou explicar, mas primeiro preciso definir o que vem a ser dente. Pois bem, dente é esta coisa que você acredita ter, dentro da boca que você acredita ter, na parte superior do corpo que você acredita ser. A-ha! Está vendo por onde começa a dor? Não é pelo dente, é pelo ato de acreditar. E quem é que acredita em quem nesta história: o dente em você, ou você no dente? Sim, entendo sua indignação, sei que é difícil desacreditar de um dente, principalmente quando ele causa dor, muita dor, sou testemunha doentia disto. Mas pense comigo, seu dente, sua gengiva e sua boca, são coisas que estão dentro da sua cabeça, certo? Muito bem, agora, mais criteriosamente, observe que sua cabeça também é uma coisa que está dentro da sua cabeça, percebe? Sendo assim, cabeça, dente, boca, nada disto existe fora desta cabeça que está dentro da sua cabeça, compreende? Ora, send oassim, dizer que a dor vem do dente é apenas um ato de desespero de colocar a culpa no outro, uma tentativa da cabeça que não está dentro da sua cabeça em botar a culpa em outra cabeça. Ooooops! Enquanto estava aqui escrevendo sobre minha dor, a minha dor sumiu. Primeiro sumiu a dor, depois sumiu o dente. Acho que entretido que estava em escrever, me esqueci da dor e do dente eram meus. Oooops! Agora voltaram. Será a mesma dor? O mesmo dente? Aaaah! Mas e se a cabeça que está dentro da minha cabeça se esquecer de si mesma!? Se ela sumisse, sumiria a boca, o dente e a dor de dente junto, não é? Vou tentar, já volto (...) Vixi! Não funcionou! A cabeça pensa que pensa, logo, acredita que acredita. Maldito Descartes, onde estava com a cabeça quando inventou tal filosofia? Acho que ele usava dentadura.

Marcelo Ferrari

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