Os Mineiros do Pasquim

           Definitivamente, não há controvérsias. Só mesmo quem for “mulher de padre” não vai ver a exposição “Os Mineiros do Pasquim” – com abertura no dia 11 de julho no Centro Cultural Humberto Mauro em Cataguases. Bem verdade que sou suspeito. Não, nada de “mulher de padre”: é que também fui colaborador do Pasquim lá pelos anos 1970. E, além do mais, sou o Coordenador da mostra que traz a Cataguases – e logo a seguir a Muriaé (agosto) e Leopoldina (setembro) – as charges e ilustrações dos seis cartunistas mineiros que participaram do célebre hebdomadário carioca-ipanemenho: Caulos, Guz, Henfil, Nani, Zélio e Ziraldo. A exposição em Cataguases pode ser visitada até o dia 10 de agosto. A seguir, em primeira mão pra vocês, o texto de apresentação que “co-meti” (palavra certa) para a mostra. Ah, sim: o “lado Bônus” do álbum duplo “Bossa Nossa” retorna na próxima.
            “Ano gráfica e geograficamente de ponta-cabeça, nada mais natural que 69 visse também nascer O Pasquim, um jornal literalmente da pá-virada. Um ano às avessas, onde se mergulhou fundo e forte. Comendo pelas beiradas, mas comendo sempre – no umbigo de 69, na metade exata (o número 1 é de 26 de junho) –, eis que se intromete esse safado jornaleco desobstaculizador (epa!) dos papais & mamães da imprensa brasileira, o destemido hebdomadário inventor de novas posições sessenta e noves (a)fora – que perdurou (epa! epa!) até o número 1072, de 11.11.1991.
           Pasquino é termo romano que significa “texto satírico, crítico e mordaz colado em local público”. E também “jornal ou folheto calunioso”. Num sentido pejorativo, “jornal sem repercussão, sem importância, ou mal redigido”. O Pasquim assumiu tudo isso, que não era jornaleco de deixar que assumissem por ele. E acabou por entornar o caldo e logo assumir também o posto de mais vendido. Não só da imprensa nanica, mas concorrendo com os grandes bananas nacionais. Do Globo à Veja, ora vejam só.
           Diz-que desaforado. Desabrido. Desavergonhado. Diz-que destemperado. Desconcertado. Descomedido. Diz-que desparafusado. Diz-que “des-inserido” no contexto. As charges, os cartuns irreverentes. A descontração da linguagem não-oficial, aqueles asteriscos de palavrões pressupostos, o texto a correr como se falado fosse. E era. Seis meses após o AI-5, na contramão do governo militar, um jornaleco de primeiríssima, produzido por uma “patota da pesada”: Sérgio Cabral, Tarso de Castro, Millôr Fernandes, Jaguar, Sérgio Augusto, Fortuna, Claudius, Miguel Paiva, Paulo Francis, Luiz Carlos Maciel, Martha Alencar, Ivan Lessa.
           Mas aqui estão só os que mineiros são – essa meia dúzia de artistas que atua por um time todo, com suas endiabradas criações a pular das páginas do “velho Pasca”, a empunhar (epa! epa!) seu varonil valor. Quase quarenta anos após a primeira edição, ressurgem nesta mostra – patrocinada pela Energisa/Fundação Cultural Ormeo Junqueira Botelho através da Lei de Incentivo à Cultura de Minas Gerais – algumas das melhores tiradas da patota, extraídas das recentes Antologias I (1969-1971) e II (1972-1973) do Pasquim, lançadas em 2006 e 2007 pela Editora Desiderata. Criações que assinalam a importância dos cartunistas mineiros. Aqui – e agora sim – devidamente inseridos no contexto.
           Divisor de águas, nosso principal veículo alternativo, o Pasquim refletiu e nos fez refletir sobre um amargo período da História do Brasil – o “destemido hebdomadário” foi na verdade um (de)formador de (falsas) opiniões. Vários intelectuais de Minas figuram & fulguram em suas páginas. Rever essas charges e cartuns é também desengatar (epa!) daquele trem de mineiro esses seis desatinados vagões que sempre correram fora dos trilhos da mesmice, esses Caulos, e Guz, e Henfil; esses Nani, e Zélio, e Ziraldo.
           Agora com vocês, os mineirins do Pasquim. Todos “comeketins”. Sabem David e Golias? Sacam os vietcongues e os gorilas? O Pasquim foi a irresistível resistência. Quando Juscelino morreu, Ziraldo criou uma capa com todo o alfabeto, menos as letras J e K. Aos analfabetos de hoje, o Pasquim é a letra que falta. 

Ronaldo Werneck
(Coordenador do Projeto Os Mineiros do Pasquim)

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