O CANDIDATO

Nos idos de l960, numa pequena cidade do estado de Minas Gerais, (omitirei o nome para não perder amigos), pessoas se conheciam bem e, os moradores mais antigos sabiam, também, as histórias de cada família: se ainda tinham dinheiro, se fora ou não rica, se comia angu e arrotava caviar, como se costumava dizer. Se os antepassados eram boa gente e, se alguém degenerou, e por aí afora...

Para muitos, isso até era bom, por ser, no tocante a eles, sinal de prestígio, de notoriedade e credibilidade. Para outros... Era bem mais complicado. Hoje não deve ser tanto assim, porque pessoas estão mais preocupadas com a ascensão social do semelhante do que, propriamente, com o caráter delas. Se possuem bens, o respeito é dobrado. Mas, também não significa que pessoas que tenham dinheiro, necessariamente, sejam desprovidas de virtudes. Pois bem, voltemos à morte da bezerra.

Na dita cidade, havia um sujeito que se gabava de ser muito popular, o mais popular de todos. O povo, sabendo disso, não desperdiçava sequer uma oportunidade de iludir esse senhor, com tapinhas nas costas, outros agrados.

Também insistia em dizer que seria conveniente e oportuna sua candidatura para prefeito daquele município, que ele venceria, de balaiada, dada à popularidade do mesmo. Só que, a bem da verdade, sua fama viera de uma característica não muito positiva de sua personalidade: era chato demais, o mais chato do lugar.

Trabalhava o mesmo como recepcionista de um clube e ainda cuidava da confecção das carteirinhas dos sócios, da manutenção da piscina e das quadras, durante o dia. À noite, para recepcionar os sócios, envergava um terno meio fora de moda, e se sentia um Frank Sinatra, em seu belo smoking, em noites de gala.

Um ponto era positivo em sua personalidade e lhe garantia o emprego, depois de aposentado do serviço municipal: Era muito exigente, a carteirinha tinha que estar atualizada, o pagamento da mensalidade em dia, senão o sócio recalcitrante não adentrava as dependências do clube. E não fazia acepção de pessoas nas suas cobranças. Mas, de resto, era uma “pelinha” como se costumava dizer, um verdadeiro “pé no saco”.

Sua esposa, pessoa muito discreta e distinta, nunca apoiou a idéia de ser primeira dama, a bem da verdade, não acreditava na sua eleição e nem dava força a sua candidatura nem para síndico de prédio, se fosse o caso.

Depois de muito insistir com a família, os três filhos e a esposa aceitaram a idéia de sua candidatura, desde que fosse para vereador, precisaria de menos votos e teria menos responsabilidade e obrigações, na concepção dos mesmos.

Seu Fortunato, apesar de sentir abalada sua vaidade e o ego diminuído, para não desperdiçar a oportunidade, lançou-se candidato, para o cargo imposto pela família.

Parece que, depois de se sair candidato, se tornou mais chato do que de costume. Só falava de sua eleição, pois, no seu ponto de vista, a vitória já lhe estava assegurada e até achava que poderia ser o presidente da Câmara, dada à votação expressiva que deveria ter.

Essa conclusão não saiu do nada, eis que, por onde passava todas as pessoas conhecidas lhe garantiam o voto e ele ia anotando numa folha os já confirmados. Era um mundão de votos. Só sentia preocupado em estar retirando muitos votos de adversários seus, antes, considerados amigos, mas, concluía, “política, política, amizades à parte”. Assim conseguia se tranqüilizar e seguir em frente com a consciência tranqüila e o ego satisfeito.

Seu Fortunato, como sempre corretíssimo, jamais aceitaria usar da máquina administrativa para se promover e condenava essa prática com veemência, no que também, eu achava que estava certo.

Mas, vamos lá. A cada semana, parecia crescer aos olhos de Fortunato, a certeza de sua vitória. Em cada pessoa que encontrava, fazia questão de destilar o seu enjoamento, explicando porque seria para ele tão fácil ser eleito.

Esqueci-me de contar um detalhe de sua vida pregressa: quando mais jovem, e mais enjoado, tinha o apelido de “desmancha-roda”, porque era tão insuportável sua conversa que, quando chegava, cada elemento do grupo de pessoas inventava um motivo para ir embora. Cada qual usava de uma artimanha, ou ia buscar o filho no colégio, ou a esposa no dentista, ou qualquer outra desculpa dependendo do dia e da hora. Era tão ensimesmado que parecia nunca perceber. Com o passar dos anos e com os desencantos da maturidade, esse problema foi amenizado, nesse grande contador de vantagens e de lorotas.

Chegada a eleição, foi o primeiro a aparecer na zona eleitoral, para inaugurar o momento tão auspicioso de sua vida. Deve ter caprichado demais na letra e também no gesto de depositar a sua obra de arte na urna. É o que imagino.

Minúcias à parte, alguns dias depois, foi divulgado o resultado da apuração. Seu Fortunato recebeu apenas, pasmem “um” único voto. É claro que foi somente o próprio voto. O que equivale dizer que, nem a mulher, nem os filhos, nem vizinhos, nem parentes, nem freqüentadores do clube, ninguém confiou em sua impoluta pessoa, para ajudar na elaboração das leis do município e votar projetos.

O único projeto que, acredito ter permanecido em sua cabeça, para sempre, foi o de nunca mais acreditar nas favas contadas, no ovo dentro do fiofó da galinha, na galinha que o gambá mata e no rastro da cobra na água.

Só me pergunto uma coisa: com que cara, principalmente a família encarou Fortunato, depois desses acontecimentos. Acho que, pela primeira vez na vida, avaliou sua própria condição como pessoa, como marido e como pai.

O final mesmo dessa epopéia não tenho condições de narrar, porque não sei. Cada um imagine como ficou seu casamento até que a morte os separou.

Dora Tavares

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