A goiaba de papai

Estávamos papai e eu ao léu, no quintal de casa, quando aquela perfeita vistosa madura grande goiaba do pé do vizinho invadiu atrevidamente o desejo alimentício frugal de papai. Seus olhos vibravam... produzindo faíscas de brilho, sombrancelhas arqueadas, a saliva transbordando.

A lembrança de sua meninice campesina, as inúmeras vezes em que se esbaldou e empanturrou-se, trepado em frutuosos galhos de variados vizinhos, resgatou-lhe a nostalgia, a sensação da perda de tais joviais prazeres abandonados pelo destino.

Fitou-me, viajante e desejoso. Eu, então garotinha urbana e ingênua, extasiada em ver no rosto de papai tamanha alegria infantil causada pela preciosa frutinha, não pude evitar oferecer-lhe uma compreensiva emulação:

– Realmente, papai! É uma goiaba linda e apetitosa!

Não precisou de mais. Papai, afobado:

 – Está no ponto para se arrancar. Se esperar mais apodrecerá.

Olhou para a churrasqueira encostada ao muro que dá para o vizinho e a goiabeira, olhou para mim, olhou para a amadurecida goiabinha e soltou uma doce proposta:

– Quem sabe se a gente puser a cadeira sobre a churrasqueira e você, filhinha esperta do papai, sobe e apanha a danada. Que tal?

Na inocência de minha primeira década de vida e na confiança de que papai sabia de tudo, coloquei a bamba cadeira sobre a churrasqueira de tijolos e a galguei em busca da bichinha.

Tchibum!!!

A cadeira escorregou da churrasqueira, eu escorreguei da cadeira e caí dentro da impiedosa assadora de carne. Um de seus ferros pontudos rasgou-me a carne da perna num só golpe surpreendente.Uma só questão saiu-me boca a fora:

– Papai, vai ficar marca? Vai ficar marca?

Quando vi o sangue saindo pela nova fresta, produzi aquele berreiro! Está doendo! Ai! Papai doía-se em nervosismo, desespero e condolência. Correu carregando-me para o hospital, aquele vento era tão doloroso...; e após uma hora de escândalos e suores, o curativo estava feito.

Enfaixou-me quase toda a perna. Foram uns quatorze pontos. Quando mamãe chegou do trabalho, eu estava com uma perna toda enfaixada brincando de bambolê.

O mais interessante foi que, na semana seguinte, fui ao quintal e vi a goiaba toda podre caída da árvore.

– Mesquinha ela, não?

Tania Montandon

« Voltar