Rito de passagem
É novembro que se vai... ou se esvai. A gente conta a vida pelas medidas formais das semanas, e estas, como os dias, repetem-se sem muitas novidades. O que pesa são os meses, que nos dão os efeitos das estações do ano, e os anos, por determinarem estágios em nossas vidas. Pelos anos, dizemo-nos crianças, adolescentes, jovens, adultos e velhos. E a velhice nos chega com os eufemismos em moda nas últimas décadas.
Marcos indeléveis nas nossas vidas são as escolas. Elas equivalem ao momento em que o mundo deixa de ser apenas o de nossa casa para estender-se aos amigos, esses parentes externos que elegemos, em lugar de os recebermos como o “kit” família. Essa primeira escola fica na memória como cores esparsas, bem como a que se estende no que se convenciona como as cinco séries que sucedem à alfabetização. Depois vêm os anos que, para mim, eram os ginasiais. São os quatro que equivalem à primeira fase da adolescência e quando as amizades mais se consolidam. É então que as pessoas fortalecem seu direito de escolha e traçam, de vez, o seu futuro em torno da personalidade que passa pela efervescência das informações. E é então que, num momento inexplicavelmente não anunciado, dão-se as perdas. Obviamente, numa turma de trinta e cinco ou quarenta alunos, os grupos de amigos para toda a vida fecham-se em quatro ou cinco. Mas como valem esses quatro ou cinco!
Como disse, são os irmãos eleitos. Eles não têm o nosso sangue, não cresceram no nosso ambiente de casa, trazem peculiaridades que nos surpreendem (e nos atraem). No fundo, completam-nos. Mas chega um certo ano em nossa vida, um certo novembro, a gente adolescente sequer se liga que está chegando o Natal e o Ano-Novo, ocupa-nos apenas a certeza de que o que muda é a série em que nos matriculamos todos os anos. Só que, desta vez, vamos nos espalhar, como se a mão de um poder invisível nos distribuísse por aí, distanciando-nos.
Antes, naquela minha geração, os pais dificilmente iam às escolas. Era comum que nos matriculassem na primeira série do ginásio e, a partir do primeiro dia de aula, coubesse a nós próprios o caminho e o tempo, a renovação da matrícula a cada ano e, quando muito, os pais viriam para colher o boletim. Ou quando chamados por alguma transgressão de nossa parte ao código de disciplina.
Hoje, esta última semana de aula afeta até mesmo pais e mães, esses marmanjos que, por questão de segurança ou da má qualidade do transporte coletivo, comparecem ao portão de alunos duas vezes ao dia. A última semana de aula distancia-os também dos outros pais e mães, habituados que ficaram com os encontros de todos os dias, há quatro anos. Na quinta-feira, há o culto ecumênico, uma espécie de Ação de Graças pela etapa vencida; no sábado, o indefectível baile de término de curso. E, no ano que vem, o Ensino Médio, talvez uma nova escola, certamente novos colegas, novos professores, novos temas e novo ritmo de trabalho. Os meninos da fase que antes chamávamos de ginasial chegam agora ao que já foi colegial. É a transição para o terceiro grau, a universidade: o trampolim para as profissões. Queira-se ou não, a meninice ficou para trás. Ainda há os sorrisos, mas surgem as preocupações: a vida passa a ser ainda mais competitiva, daqui a três anos acontecerá o vestibular (esse processo virtual de cotoveladas em busca do próprio lugar, um salve-se-quem-puder selvagem e anônimo).
A tudo isso, juntem-se as transformações biológicas desses meninos e meninas, os hormônios em fúria, a ansiedade, a pressa, a incerteza e uma busca angustiada por algo que não se sabe exatamente o que é, o que virá a ser.
Para muitos, pode parecer algo como uma tarde de sábado ou a transposição de um dia 30 para o primeiro dia do mês seguinte. Para os que exercem esse rito de passagem, a angústia pode ser silenciosa; ou não. Mas no coração, na mente, nos sentidos ou no mais profundo dos sentimentos de cada um acontecerá um instante de dor que jamais será esquecido. Os olhos olharão cada rosto, cada sorriso, os ouvidos ouvirão as frases e os tons de vozes. Haverá uma vertigem, uma sensação de “déjà-vu”. É quando cai a ficha... A separação, jamais prevista, está acontecendo. Começou a acontecer.
Será muito bom se estes, os que agora são os mais queridos, fiquem cada um na vida do próximo como alguém muito importante. Que se tornem isso que, quando a gente acumula décadas, passa a chamar de amigo de infância. Sem eles, a vida seria muito sem-graça.
Luiz de Aquino