Capitu: um caso homossexual

Pouco antes de morrer, já nos últimos suspiros (Machado teve morte horrível, pois exalava um forte mau cheiro), Machado manda chamar seu vizinho. Quando o homem chegou perto do seu leito, o escritor apontou para uma caixa onde estavam todas as cartas que ele escrevera para sua mulher Carolina.

— Queime-as já no quintal, disse.

O vizinho atendeu e o Brasil perdeu um patrimônio irrecuperável — as cartas de amor de Machado para Carolina.

Também ali se perdeu, talvez, a chave da elucidação do enigma de Capitu.

Pois um dos maiores críticos brasileiros foi Eugênio Gomes, autor de "O enigma de Capitu" (Rio, J. Olympio, 1967), livro hoje raro e quase desconhecido.

Eugênio Gomes foi o único que jogou um pouco de luz no maior problema do livro.

Machado era dissimulado, engana sempre o leitor. Pois, como viu Eugênio Gomes, o que "existiu... foi uma esquisita confusão de sentimento" em Bentinho no que se refere a seu amigo Escobar, amigo de seminário, que seduzia Bentinho, era seu confidente e na companhia de quem Bentinho sentia "um prazer excepcional" (Gomes). Escobar elogia os olhos de Bentinho, envolve-o de mistério, eles apertam suas mãos às escondidas "com tal força que ainda me doem os dedos" (Machado), os colegas notavam qualquer coisa, "um padre... não gostou", enfim eles sempre trocaram segredos, além da apalpadela que Bentinho fez nos braços fortes do amigo "como se fossem os de Sancha". E finalmente Bentinho oferece Capitu ao Amigo quando propõe Escobar para ser o intermediário de cartas de São Paulo.

E eu digo mais, Capitu pode ter tido o filho de Escobar que ele, Bentinho, não poderia ter.

O único problema era que — assim pensava Bentinho para defender a pureza de seu amante Escobar — Capitu transou com Escobar por dinheiro!

Enfim, nada é tão simples em Machado de Assis.

Rogel Samuel

« Voltar