De repente, trinta.
No dia anterior, você se levanta, toma seu café com leite, come meio pãozinho francês com margarina, tira seu carro da garagem, chega ao trabalho, coloca seu blusão nas costas da cadeira, se senta, liga o computador, analisa e despacha cerca de vinte processos pela manhã, sai para um lanche rápido na padaria em frente, volta ao trabalho, despacha mais vinte processos, responde dois ofícios, participa de uma reunião, assina seu ponto, entra no carro, chega em casa, toma um banho, veste aquela calça velha de agasalho e aquela camiseta favorita, descasca duas bananas, janta as duas bananas, prostra-se diante do laptop, fitando-o incessantemente por dez minutos, espanca seu teclado por mais vinte minutos, relê, apaga toda aquela merda, coloca uma coletânea da Janis Joplin no CD-player, escuta a guria cantar "Maybe" e "Kozmic Blues" até seu coração sangrar sem fim, telefona para a namorada, desliga, ouve seus pais contarem como havia sido em 26 de setembro de 1978 (uma história que você conhece de cor-e-salteado, mas nunca se cansa de escutar), se despede dos dois, volta para o quarto, olha novamente para o laptop, desiste de escrever, apanha o livro do Bret Easton Ellis que insiste em se prolongar mais do que, na verdade, deveria, lê quarenta páginas, liga a tevê, procura alguma mesa-redonda futebolística ou as notícias na CNN em espanhol, desiste de tudo, respira fundo, apaga as luzes, fecha os olhos e cai num sono profundo.
Acorda no outro dia com trinta anos de idade. De repente, assim. É normal fazer trinta anos, é um dia como qualquer outro, ainda que as pessoas estejam esperando ansiosamente o seu relato sobre como é chegar a essa idade. Eu não tenho saco para responder a essas perguntas, geralmente mando um "é a mesma coisa que senti ontem", porque é a verdade e eu não posso fazer nada quanto a isso. Um ano a mais para viver, amar, seguir. O que é bem massa é que, mesmo após essa pergunta, você consegue erguer a cabeça, olhar fixamente para a pessoa e fazê-la entender, nesse olhar, que você se sente tão bem aos trinta anos que seria estúpido de sua parte trocar-se, mesmo que fosse possível, por dois de quinze.
Luís Fernando Pinotti Silva