SOBRE REDATORES E VEREADORES
Uma pergunta insignificante ronda minha cabeça que anda as voltas com coisas mais importantes. Porque redatores publicitários erram menos do que redatores jornalistas? Dificilmente um erro grosseiro passa pelo revisor e fica plantado numa peça publicitária escrita por redatores publicitários. Há exceções, como “Vem pra Caixa você também. Vem”; frase sonora porém errada que passou e, prior, pegou. Há outras menos famosas, que não são conhecidas pelos quatro cantos do Brasil, como “Na Casa das Cuecas os preços baixaram”. Talvez fosse melhor baixar as cuecas, o que seria normal, e,definitivamente certo, seria baixar os preços delas. As peças publicitárias, que cultos e semicultos insistem em chamá-las, “as propagandas”, são revisadas, mexidas e remexidas por muito mais gente nas agências de propaganda do que nas redações de emissoras de rádio, de TV e de jornais e revistas. São inúmeros os revisores de um anúncio: várias pessoas na Agência que o produziu e outras no Cliente que vai aprovar (ou não) e autorizar a publicação. É mais difícil um erro passar por tanta gente; mas, às vezes, passa. Na imprensa, o jeito de fazer as coisas é diferente em todos os sentidos, mesmo porque lá não se produz propaganda e sim informação e opinião, ainda que em muitos casos não consigam, ou não queiram, disfarçar o caráter publicitário da informação. A revisão é feita de maneira diferente e em correrias contra o tempo, muito próprias dessa mídia onde confiam demais no “corretor ortográfico do Office”. O erro passa com mais facilidade.
Sebastião Nery, que admiro e sequer sabe que eu existo, me deu boas lições de jornalismo e até hoje acompanho seus textos, suas informações. Sobre o ponto e vírgula ele escreve na Tribuna da Imprensa que a Folha de São Paulo “inventou a virgula-ponto”. Veja esse texto: “acho que agora o presidente Lula está contente”. Dunga, técnico da Seleção, após a vitória sobre o Chile por 3x0, ontem na Folha. Essa saiu na seção “Frases” da página 2. Ora essa vírgula depois do 3x0 deixa claro que Brasil e Chile jogaram ontem na Folha, em alguma das dependências daquele jornal e não no campo apropriado para jogar futebol. Essas invencionices estão em quase todos os jornais desse nosso imenso país. Na TV, nos noticiários, os inventos correm Brasil à dentro, a partir de São Paulo e Rio de Janeiro, já que todas as emissoras estão ligadas em pelo menos 5 grandes redes a partir dessas duas cidades.
Cenários, jeitos e trejeitos de apresentadores, maneirismos e outras “novidades” percorrem as redes como imitações mal feitas pasteurizando e nivelando tudo ao gosto imposto pelo que imaginam ser um padrão nacional para procedimento único. Descaracterizam e sufocam as particularidades regionais; despersonalizam e deixam tudo insosso e ridículo. Já foi moda, ao final dos noticiários, os apresentadores retirarem o microfone de lapela e colocarem-no sobre a bancada enquanto os créditos subiam vertiginosamente pelo vídeo. Entre modismos que chegam e se vão o da hora, dos noticiários, é a definitiva exclusão, o banimento dos 2 pontos na chamada da próxima matéria após os comerciais. Era assim. “A seguir: 3 crianças morrem sufocadas na China.” Depois ficou assim. “Três crianças morrem sufocadas na China. Veja a seguir, no Jornal Nacional”. Até aqui tudo muito claro; depois do intervalo vamos saber como,quando e por que, na China 3 crianças morreram sufocadas, e por quem, provavelmente. Com o modismo de hoje em dia, a chamada é feita assim: “Em instantes 3 crianças morrem sufocadas na China.” Sem que o apresentador leia os 2 pontos depois de “instantes”, imagino que poderemos ver, em instantes, a morte de 3 crianças por sufocamento lá na China; ao vivo. Ou ainda que 3 crianças morrem em pouquíssimo tempo, na China, por um monumental sufocamento, sabe-se lá provocado pelo que, capaz de matá-las em instantes.
A seguir – 2 pontos – o candidato.
Vulpino Argento o demente, e agora também paranóico, é candidato a vereador. Filiou-se ao PSIS – Partido da Solidariedade e da Inclusão Social. Sem nenhuma restrição ao seu passado condenável, filiou-se e já ocupa posição de destaque porque a lei permite e a Direção Municipal acha que ele é um poderoso líder capaz de conseguir uma votação em quantidade para eleger mais uns dois companheiros. O PSIS ( pronuncia-se psis, com em psicótico) propõe a solidariedade universal entre os povos e dedica total apoio a qualquer iniciativa de incluir miseráveis, analfabetos, doentes, criminosos, fugitivos e párias em geral nos diversos segmentos da sociedade, sem nenhuma restrição. Os filiados do PSIS acreditam que com a Sacola da Família, uma das mais importantes propostas que pretendem implantar quando assumirem o poder, os miseráveis deixarão essa condição econômica e estarão inseridos, incluídos, como dizem,nos cálculos de aferição do PIB nacional. Os analfabetos, com o Programa Beabá, serão alfabetizados já na quarta série e não mais na quinta ou sexta como acontece atualmente. Os criminosos que andam a solta serão perdoados e os que estão presos serão anistiados; é o PCZ - Programa Culpa Zero. E sendo assim os fugitivos deixarão de existir e poderão circular livremente sem nenhuma restrição. Esse seria o PEZ (pronuncia-se pés) - Programa Extradição Zero, mas foi descartado, obviamente não deverá ser implantado. Os doentes e os párias serão recolhidos para enormes fazendas-albergue, as FAZALs, onde receberão gratuitamente atendimento médico em todas as especialidades,medicamentos, velório e enterro dignos. Vúlpi, Vereador Nº 6969, promete ainda lutar, defender – tudo isso intransigentemente – acordar cedo e trabalhar até tarde. Independentemente da linha programática do seu partido, o PSIS, e das leis que regem as atividades e as funções dos vereadores, Vúlpi, Vereador Nº 6969, promete diminuir a carga horária dos trabalhadores para 36 horas semanais,acabar com a obrigatoriedade do serviço militar aos jovens que completam 18 anos e criar uma Universidade Municipal, mesmo que essas
questões sejam atribuição de senadores e deputados federais. Dona Herda, ex censora, sem nenhuma experiência democrática, não se entusiasma com as promessas de Vúlpi, Vereador Nº 6969. Já Dona Hosta, imaginando estar ainda na ativa, não se contém e faz alguns cortes aqui e ali nas propostas eleitorais dele. Isso porque anda entusiasmada com essas histórias de grampos telefônicos e já a ouvi dizer, bem baixinho, “será que os bons tempos voltaram? Ou será que nunca acabaram e eu to fora dessa?”
Os tempos são outros, exceto algumas práticas herdadas e bem conservadas da doutrina de segurança nacional da ditadura, com suas orelhas bem atentas em plena democracia. Os tempos são outros nas redações das agências de propaganda e dos meios de comunicação em geral. Não há mais censura e, pelo que se vê e se ouve, nem revisores; profissionais sempre quietos, enfiados em si mesmos, conhecedores da nossa língua portuguesa como poucos, livravam os textos das esquisitices e dos erros que poucos redatores cometiam, já que a grande maioria sabia escrever.
Os tempos são outros; com outras mídias e destaque especial para internete. Há quem diga que com esse meio lê-se e escreve-se “como nunca antes nesçe pahiz”. Pode ser. Porém a quantidade nem sempre tem o mesmo tamanho da qualidade; tanto quanto o conteúdo e sua relevância relativa às normas e as regras dessa nossa bela e culta língua pátria.
Num desses saites pode-se ler coisas como “blogueiro marroquino tem prisão anulada por corte”. Isso quer dizer que a Corte Suprema do Marrocos anulou pena imposta a um blogueiro. Não sei o motivo da anulação da pena nem o que fez tal blogueiro marroquino para merecer castigo pois perdi a vontade de ler o texto da notícia; sabe-se lá o que não tem mais de ordem indireta e de gerúndios. Nesse mesmo saite, que é o Portal da Imprensa, logo a seguir vem esse lindo título: “Band recebe recomendação do MPF para exibir ao vivo em matéria gravada.” Desisti.
No espaço reservado a propaganda política, na televisão, que uns escrevem “obrigatória”, o que é verdade, e outros escrevem “gratuita”, o que não é verdade, já que o valor do preço de tabela do espaço usado pelos partidos políticos em cada emissora elas descontam do imposto de renda pessoa jurídica, o que se ouve e se vê é tragicômico. Como fomos bombardeados com a mesma lengalenga em todo o Brasil e no mesmo horário, encerro essa crônica com a que considero a melhor de todas. Não é uma promessa, o que já a diferencia de todas as outras lengalengas e a torna original. É um aviso, um pedido, uma ameaça, uma gozação. Apertadinho num tempo mínimo disponível um candidato a vereador diz apenas: “Já trabalhei muito. Agora quero ser vereador".
Cesar Cabral
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