A PARCERIA

            De todos os lados, as opiniões convergiam: – "É o casal perfeito. Cúmplice e  amoroso!", diziam. Por décadas, mantiveram-se em aparente estado de felicidade e realização.
            Ela imaginava-se de cabelos brancos e bengala, ao lado daquele homem maravilhoso. Nâo tinha dúvida de que a relação seria a mesma, na alegria e na dor, até que a morte, a ceifadora, desfizesse aquela parceria. Temia tal momento e rogava aos céus para que ele fosse o primeiro a ser escolhido, pois tinha consciência da falta de estrutura emocional dele para absorver-lhe a partida. Ela, ao contrário, estaria preparada, devido aos anos de psicoterapia, sua religiosidade, seus amigos. Ele sempre fora  um cético. Tinha pouquíssimos afetos, abominava  religião e dizia não ser louco para entregar sua cabeça a psicoterapeutas. Ali residia o mérito daquela relação. Eram diferentes, mas se adaptaram para que vivessem pacificamente.
             Eis que um dia, em plena avenida, ela tem um infarto agudo, e morre, sem ao menos ter tempo de ser socorrida. Ele manteve-se calmo e assim ficou até que o corpo fosse sepultado.
             O padre, os amigos e vizinhos comentaram a força dele no momento, mas, depois de um mês, como ele continuasse aparentemente imune à dor da partida, pensaram na possibilidade de um "estado de choque", e chamaram um profissional para vê-lo, conversar com ele e saber o que realmente sentia.
             – Livre das amarras! Por vinte e cinco  anos, convivi com tudo o que não gostava: terços, bíblias, terapeutas, livros de Freud, Jung, teorias aos montes, que me enchiam a paciência, sempre tentando explicar o inexplicável. Tudo o que eu desejava era aproveitar a vida, longe dos amigos medíocres que ela trazia  aqui pra casa. O que posso sentir agora, a não ser uma sensação de leveza e felicidade?
            E  tirou a cor azul da fachada  da casa, colocando um tom terra; pintou  de vermelho o quarto que fora do casal, para que  a cor quente reacendesse  as paixões. Aquele tom gelo, segundo ele, sempre fora um banho de água fria na vida sexual deles.
           Da antiga decoração da casa, nada restara. Não tinha afinidade com nenhum dos objetos, mobiliário, biblioteca. Sobre a nova mesinha de cabeceira, o Kama-Sutra.
           Todas as manhãs, cantarolando, regava seu canteiro, antes ocupado por plantinhas de temperos que ela utilizava nas refeições do dia-a-dia. Ali,   agora, havia as mais lindas flores, com diversos matizes, parecendo acompanhar o estado de alma daquele homem que, a partir de sua liberdade, se tornara cada dia mais feliz...

Belvedere Bruno

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