A MOÇA QUE ERA OUTRA
(Da série histórias adaptadas a realidade atual)
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Eu vou contar uma historinha, afinal sou uma contadora de histórias, se, no final, vocês acharem alguma semelhança com fatos netnianos, não se avexem, pode até ter acontecido... Mistérios da internet e destes malucos tempos modernos.
Um belo dia uma moça, mais pra senhora já de certa idade, que não se conformava com a passagem do tempo, tentou detê-lo. E se esforçou, ah, isso foi mesmo, a vero. A sua batalha era diária! Cremes, todos que entrassem no mercado cosmético oferecendo pele lisinha, sem rugas, viço, aparência de bumbum de bebê. Suas prateleiras do closet, seus armários de banheiro, sua gavetas de roupa íntima, estava tudo tomado pelos potes e mais potes. Aí os potinhos, antes milagrosos, começaram, numa rebelião silenciosa, a invadir o resto do pequeno apartamento. Fizeram um complô, um trato entre eles: Não mais iriam funcionar a partir daquela data. Firmaram um documento, registraram em ata, deram autenticidade de Assembléia Extraordinária.
Ela começou a perceber que estava perdendo uma batalha vital pra sua vaidade indomada. Partiu para outras frentes. Fez o primeiro email, entrou no primeiro site, virou internauta. E aí se deslumbrou! Nossa, como era fácil retroceder no tempo, parar o relógio, manipular as horas. Virou vício e, quando ela se deu conta, já estava fazendo parte de uns trocentos e não sei quantos espaços netnianos. Já possuía pra lá de dezenas de endereços eletrônicos. Não tinha mais tempo nem pra se olhar no espelho... E, como o que os olhos não vêem o coração não toma conhecimento, começou a acreditar na eterna juventude.
Muito antes dos aniversários passarem a adversários ela já não possuia muito glamour, mas quem queria saber disso agora?
E se reinventou no espaço virtual. Virou uma jovem, cheia de vitalidade e idéias. Bem, não se pode negar a sua brilhante criatividade e nem deixar de dar mérito a sua inteligência. Como diz o mineiro, 'um cadinho' acima da média.
Escrevia todo o dia, o dia todo. Com as fotos de perfil retiradas de lugares distantes, o mundo que inventou pra estar dentro e as suas fantasias, conseguiu uma legião de admiradores que só fazia engrossar fileiras. Dava corda, ia até onde o bom senso guiava, as vezes, poucas, perdia a mão, errava a massa. Mas com uma mente brilhante, conseguia contornar, reconvencer, trazer o séquito a seus pés.
Mas como a inveja é uma merda, começou a pipocar um montão de mulher mal'amada, orbitando a sua volta, esperando o momento de dar o bote. Todos sabem que mulher é parente direta da víbora, desde o Éden.
E tanto espreitaram, confundiram, espicaçaram, vigiaram, bizoiaram que conseguiram. Pegaram um furo que não tinha como ser consertado.
Ela, no afã de ficar melhor na fita, de desenhar um retrato cada vez mais atraente e agregador de meninos, talvez na tentativa de resgate de uma juventude remotíssima e apagada, sem grandes aventuras e emoções, sem pompa e circunstância, cometeu o primeiro grande deslize, destes sem conserto ou remédio: Postou, como sendo seu, material alheio em espaço particular, achando, inocentemente, que a turba devoradora de fígados não iria ter acesso a lugar tão remoto da net.
Ah, mas nada escapa, tudo se destampa um dia! E se uma menina, apenas uma, das seguidoras 'detetivas' encontrar um material tão explosivo e rico de provas, claro que ele vira de dominio público num piscar de olho. Menos que o tempo levado pra adquirir uma nova ruguinha de expressão, um pezinho de galinha...
Dito e feito. O estrago estava consumadíssimo. Cabisbaixa, chorosa, máscara arrancada com a brutalidade e sadismo feminino, tentou consertar o sem conserto, reverter o irreversível.
Nada feito, as seguidoras da vida alheia, se certas ou erradas, nem entro no mérito, a cercaram pelos sete lados. E acertaram o milhar!
Bem, como eu já havia escrito, ela era inteligente, mas um pouquinho ingênua. Tomou logo suas providências derradeiras. Num acesso de fúria quebrou todos os espelhos, não sem antes perguntar: Espelho, espelho meu, existe alguém mais perseguida do que eu?
E partiu pro front, numa estratégia não esperada pelo inimigo. Num gesto de desespero e extremismo suicidou o fake, mesmo sem corpo, sem IML, sem notícia de jornal... Os acusadores se comoveram, confundiram novela com vida, ficção com realidade, virtual com mundo. Teve luto, teve choro, só não teve vela, porque o endereço fakeniano, o local, talvez, da provável cremação, a cerimônia íntima, e as orações ao vivo, pro morto, não foram facultadas a nenhuma legião, nem de admiradores e nem de detratores. Mulher então, ahh, que vá de retro, satanás!
Triste e feio assassinar um fake, mas crime, destes que dá cadeia, não é!
Mas o fecho desta história é o que mais me encafifou: Disseram, a boca pequena, que ela já está, lépida, novamente jovem e bastante fagueira, em um outro site, o primeiro com certeza, desta próxima fase; internautando e recolhendo novos admiradores. Mas, como os tombos servem pra ensinar a levantar e calçar os caminhos pra não retombar, mudou o personal. Não, eu não vou contar procês se agora ela vem de bruxa, fada, pintora, contadora de histórias, dona de casa... Cada uma que descubra por si só e, se quiserem, podem me contar. Eu sou um túmulo, apesar de contadora de causos, hehehe. Mas isso é só uma história, quem quiser que conte outra.
Elza Fraga