De crise em crise

Dizem que Deus é brasileiro e vive na Quinta Avenida. Dá para acreditar nessa história quando vemos que as decantadas "dimensões continentais" e cobiçadas "riquezas naturais" é um dos países mais pobres do mundo e, ao mesmo tempo, a nona economia do planeta. Mistério ou milagre - coisas de Deus. E o "gigante adormecido" vai sobrevivendo de crise em crise e negá-lo, quem há de? Queria compreendê-lo, mas não dá. A coisa fica difícil com o povo que temos, contudo não é impossível continuar trabalhando as mentes das pessoas. A net está aí para isso mesmo, para que troquemos informações mais rápidas, forcemos as barras que antes eram impensadas e tomemos um pouco do poder da grande mídia, que também, muitas vezes, é facciosa, corrupta, comprada, manipulada, arrogante, tendenciosa. No caso do cubanito Elian Gonzales, por exemplo, nos Estados Unidos, o debate foi acirrado pela net e, garanto que, o desfecho final foi muito influenciado por causa desses debates na net. Acho que nós brasileiros estamos caminhando pelo caminho certo, também debatendo, desmacarando, derrubando mitos e coronelismos, contudo, numa realidade em que somente 6,5% da população tem acesso à internet, uma taxa alta de poucos leitores e poucas pessoas dispostas a escrever e debater os nossos problemas, repito, fica difícil o entendimento.

Noutro dia fui abordado com uma pergunta de um jornalista sobre a situação das crianças de rua; tive que dar uma resposta lacônica. Ora, é um tema complexo a situação da criança no Brasil em que não tenho a convivência diária há um quarto de século nem o acompanhamento do dia-a-dia. Sendo sincero, não é uma realidade minha, em que também não tenho muito estudo e informação. Sei de notícias soltas pela imprensa ou de casos isolados aqui e ali, portanto fico suspeito de emitir uma opinião. Como humanista, acho uma lástima a perda de gerações e gerações de seres humanos sem oportunidades. Em termos gerais, pode-se até escrever muitas boas crônica ou artigos, ou dar boas respostas. Em termos analíticos, também pode-se dar muitas pinceladas em diversificados pontos nevrálgicos sem se aprofundar neles. Assim é com a violência, não se pode mais dar-se ao luxo de simplificar com perguntas como: "a favor ou contra". Para todas as nossas mazelas cabem muitas perguntas com muitas variantes, às vezes cruéis e frias, mas que têm que ser feitas, debatidas e com isso encontrar respostas, para uma melhor análise e entendimento da situação caótica em que vive o país. Por que a violência está acontecendo e chegou a esse ponto? Por que a permissividade da violência? Por que a indiferença da sociedade perante a violência? Por que o egoísmo? Quem colocou essas crianças nas ruas?... os pais?, a sociedade?, os políticos?, as autoridades (in)competentes? Quem fizeram essas crianças?... - dois seres capazes de reproduzir e sem capacidade de tomar conta da sua reprodução? Por que reproduziram inconseqüentemente?... - imaturidade, falta de educação sexual, mentalidade católica-apostólica-romana: "crescei e multiplicai-vos"? Por que não existem programas para orientar os "fazedores" de crianças?, educação nas escolas?, lares?, clubes e igrejas?... ou, se esses programas existem, porque são ineficazes? Quais os esteios da família brasileira? - religião?, cumprimento de deveres e obrigações?, reclamação de seus direitos como seres humanos? A mentalidade machista latina não tem seu quinhão de responsabilidade? Quem elegeu os políticos que administram as contribuições de impostos e taxas - o erário público? Quem vigia, reclama, denuncia fundamentadamente a má administração pública? Qual a origem dessa má administração e corrupção? Ora, sabemos que desde antes de d. João VI aportar no Rio de Janeiro, em 1808, essa má administração já existia e seguiu-se com seu filho, seu neto e depois com a República. Podemos só culpar o governo? Por que a sociedade não se envolve como um todo para estirpar esses cânceres sociais? Por que esse desinteresse? Podemos somente culpar a elite financeira? E a elite intelectual fica muda? Podemos simplificar e culpar a mídia? Quem vigia, reclama, denuncia a má orientação e o grande espaço que a mídia abre para tal ou tal assunto? Alguém boicota individualmente ou forma um boicote coletivo para corrigir as aberrações da mídia? Existem boicotes contra os patrocinadores de tais programas? Desde quando isso vem acontecendo? Certamente que não é de uma hora para outra. Não vale a pena cavucar um pouco a história e estudar as origens do problema? A nossa colonização não seria o início dessa disparidade? As formas de governos por que passamos também não deram sua parcela? O longo Segundo reinado (d. Pedro II - quase meio século!) com a sua política idílica indianista e ao mesmo tempo cruelmente escravocrata ficaria isolado? E a ditadura de Vargas e as perversas ditaduras militares com as suas arbitrariedades não estão sendo refletidas agora? Tudo é causa e conseqüência. Tudo faz parte de uma dinâmica. Não podemos somente olhar o presente como causa, temos que ver o histórico. Desde quando a corrupção vem acontecendo e nada se faz, ou melhor, se faz sim: vai-se à praia, brincam-se carnavais e torce-se por copas do mundo e corridas automobilísticas... Não valeria a pena discutir as situações e procurar soluções idividuais e coletivas? Os formadores de opiniões também não têm sua parte de culpa? E por que esses formadores agem livre e arbitrariamente, e ainda são altamente remunerados e adorados como ídolos? As xuxas, tiazinhas, carlas perez, ebes, baús, gugus, feticeiras, globais, globelezas, faustões, angélicas, agás e tantos outros que formam padrões que não são questionados nem boicotados nem atacados nem anulados, pelo contrário são elevados, são bem remunerados, são vistos diáriamente, são endeusados, são imitados... não teriam eles também sua parte de culpa? Alguém os cambate? E a imposição do consumismo inconseqüente? E o capitalismo selvagem? E a disparidade na distribuição da renda? E a falta de saúde, alimentação, educação, habitação, vestuário? E o não exercício da cidadania? E a falta de caridade para com o próximo? E a inversão dos valores? E a ostentação de cada um? E a avareza, a inveja, e os outros pecados capitais? Poderei ficar aqui prostrado em frente do micro o resto da noite fazendo perguntas e mais perguntas. A lista seria infindável e não encontraríamos uma resposta que fosse solução. Tudo é mais que uma dinâmica - é uma formação de mentalidade - e cabe à gente, os carregadores das tochas, iluminar o caminho para que os outros passem. Acho muito romântico e até inocente o comportamento de alguns ao vestir uma calça apresentável, uma camisa nova, morar num condomínio fechado e bem protegido, dirigir um carro blindado, portar um celular, ter um relógio no pulso e no caminho de um restaurante qualquer ou de um bar da onda ver uma criancinha faminta, suja e mal vestida fazendo qualquer coisa, parar e dizer: "coitadinha desta criança!" Pode-se até enfiar a mão no bolso e lhe dar um trocado. Isso não vai ser solução. Essa pessoa vai continuar o seu caminho feliz da vida pensando que fez algo de bom ou uma caridade e a criança vai continuar ali no caminho de todos com a sua fome, a sua sujeira e os seus trapos, desenvolvendo sua inocência ou sua violência para, a qualquer momento, devolver como troco a (in)diferença e a (in)capacidade de dividir com ela os bens materiais e intelectuais que foram a cada um aquinhoados.

Ih... soltei os dedos. Fiz uma colagem de Brasil. Não sei se me fiz entender, mas dá o que pensar.

Fernando Tanajura Menezes

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