Morrer mesmo é em São Paulo
Não fosse eu pobre com alma de pobre ia querer morrer em Botucatu, onde se realizam os velórios mais modernos do País. A funerária lembra uma nave espacial redonda, dividida em oito salas, incluindo uma dupla destinada a casais ou amigos que morrem juntos. É a glória. Suportado por cavaletes transparentes, o caixão parece flutuar sobre um chão branco. Por um dispositivo mecânico, o ele entra triunfalmente sob uma chuva de pétalas de rosas, enquanto é tocada uma musica ao gosto do freguês (o vivo ou o morto) de new age a samba. São feitas a higienização completas do corpo, o sangue sendo trocado por líquidos corpóreos que associados a maquiação e a técnicas de reconstituição tiram o aspecto do corpo e o maném em bom estado por até quarenta dias. Parece que o defunto está dormindo, às vezes, uns dez anos mais jovem. Se a família quiser, pode ser colocada uma expressão risonha ou pensativo, por exemplo. É a imagem que se vai levar para o resto da vida. Pelos sobreviventes, bien sûr. Pelo que li fiquei com vontade de ser personagem desta festa fúnebre, em S. Paulo.
No Ceará, é diferente. Em Estado pobre, nada dessas pompas.Por isso nada semelhante me me parece aguardar na cremação em Fortaleza ou Brasília. Todo o Ceará é testemunha de que optei por tal solução. Não já, mas quando chegar a hora. Porque abomino a idéia de ser enterrado (e se estiver vivo?), ficar pesteando a atmosfera e, pior, obrigado a família a idéias periódicas ao cemitério a homenagear o nada, o que foi e não é mais.
Ou em Brasília. Quando soube que o Jardim Metropolitano assumia o compromisso de realizar tal serviço em Fortaleza, que tanto visito, ou em Brasília onde moro, mais que depressa adquiri, a prestação, o direito de virar churrasco aqui ou lá e paguei, religiosamente, as 48 prestações. Pedi a meu advogado recibo de quitação da empresa e mo negaram. Teria de andar com os quatro maços de recibos mensais, para cima e para baixo, porque sem eles, não viraria cinza. Ficaria em cima da terra, apodrecendo, pasto dos bichos. Fiquei pensando:o que acontecerá , por fim, se o “presunto” aqui não estiver com todos os pagamentos à mão. Nao descobri a resposta. O mais curioso foi que, ao invés do recibo de quitação total, o que me chegou foi cobrança de taxa de manutenção. Não entendi? Manutençao de quê, de onde? Aqui enquanto vivo? Manutenção das cinzas? Do cadáver? Ou será manutenção das caldeiras que ficam, desde já acesas, a pleno valor, ansiosos por nos prestar seus ardentes serviços? Nao consegui descobrir esta taxa de manutenção para efetivar o pagamento. Ainda não descobri que encantos terá o velório brasiliense ou cearense, duvido, porém, de que seja tão agradável como este que se propõe a funerária de Botucatu.
Eurico de Andrade