Virado à Paulista

Uma das coisas mais penosas pra o escritor é ter que escrever, ou melhor, dizendo, precisar escrever, não para o consumo público, mas para o consumo interno.

A catarse (o disse-me-disse íntimo) como diria um analista (pelo menos o meu).

Muitas vezes penso o que é pior: ter muita coisa pra catarsear (inventei o verbo agora) ou não ter catarse nenhuma? Justamente o que estou fazendo agora?

Numa disputa, certamente: coluna do meio.

Eu fico pasma com os cronistas que escrevem diariamente, onde é que vão buscar tanta coisa pra dizer, com tanta propriedade e graça?

Fiquei pensando no meu dia de hoje, o que poderia extrair para uma crônica? Eita dia mais “dia normal” esse !

Se assalto fosse novidade, quem sabe! Mas fui assaltada da forma mais comum do mundo, quem é que vai se interessar? Em pleno meio dia, na Avenida Paulista, com dezenas de pessoas olhando, enquanto me faziam um “arrastão”...

Antigamente, quer dizer, não tão antigamente (não sou tão passada assim), um assalto representava um estresse, reuniões familiares de solidariedade, telefonemas da prima de terceiro grau, até cheguei uma vez a me reconciliar com um namorado, tão traumatizado ficou. Mas agora!!!!!

Hoje o office-boy que tiver a coragem de faltar no período da tarde com a “desculpa” de que foi assaltado e levaram seu par de tênis recebe, no mínimo, uma carta de advertência e, no terceiro assalto, é demitido com justa causa com dispensa de cumprimento de aviso prévio.

Onde já se viu faltar por coisa tão insignificante, salvo, evidentemente, quando dá entrada no pronto-socorro, desde que traga a dispensa médica.

Meu office-boy teve sorte hoje, foi assaltado comigo, isto é, estava comigo, quando fomos assaltados, ou melhor, estava carregando um pacote pra mim, quando o amigo alheio resolveu levar não só o pacote como minha bolsa.

Afinal sou chefa, e chefa .... bem... sei lá... não chegou atrasado, porque ficou me acalmando (não que eu precisasse ser acalmada) é que bem... sei lá.. Resumindo: estava comigo.

Também como é que alguém tem coragem de sentir amargura pela indiferença geral por um “assáltico” quando o Secretário da Segurança do Estado de São Paulo, no começo do mês passado, feliz da vida, com olhar brilhante de satisfação, boca cheia de orgulho, consegue, calmamente, num jornal qualquer da tv dizer que:

— A criminalidade em São Paulo está indo às mil maravilhas, estamos (esse “estamos” foi dito assim daquele jeito bem “pomposo”) com apenas sete seqüestros no mês de dezembro, ou seja, “apenas um por dia”?

Me dou umas bofetadas? Não! Vou comprar um vestido novo!

Ora, realmente, vou desistir de escrever, quer para consumo público ou interno, não tenho mesmo o quê cronicar, um “assáltico mixoruca” no meio dia não dá mais IPOBE. É como dizer numa quarta-feira: hoje é dia de feijoada.

Só que hoje é segunda-feira, dia de virado à paulista e eu, com essa história do “assáltico”, perdi o apetite.

Sandra Falcone

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