Seres da insustentabilidade
O ser humano nasce para a felicidade, mas tudo faz para mantê-la longe de si. Em desarvoro constante, vive à cata do que o alvoroce em sua compulsiva ansiedade. Nada lhe traz contentamento, pois que está sempre a fugir de estar em si, e de bastar-se com o presente. Assim vive a consumir-se em emoções vazias, a acumular coisas de que não precisa, e a gastar sem cuidado os dias que lhe são dados. E quando chega o tempo de escutar o assovio das Parcas, olha das paisagens do passado, e constata: tudo fez para dis-trair-se do que importe, em idolatria do inútil. E pouco fez para realizar-se como humano, tentando simplesmente ser feliz.
Fernando Pessoa-poeta Ele Mesmo, por quem falaram tantas almas ardentes, confessou, em seu desassossego de viver: “Não sei quantas almas tenho/Cada momento mudei/continuamente me estranho/nunca me vi nem me acabei/”. E, mais adiante: “Quem não tem alma não se acalma”. De fato, parecem criaturas do desassossego, as que são acometidas de uma espécie de doença de São Guido do espírito. Pois estão sempre a dis-trair-se, como se o viver tenha que ser uma eterna diversão e um permanente divergir do que na vida importa.
Tais criaturas nunca estão no endereço de alma em que estão. Tudo fazem para não se lembrarem de si mesmas, permanecendo nas rasuras do nada, pois têm medo de se reconhecerem em suas profundezas. Enquanto a vida – ou a moça - passa, “fazendo pirraça/fingindo inocente/tirando o sossego da gente/”. Daí a lucidez das palavras de Miguel de Unamuno: “Eu sou humano, e nada humano me é estranho”. “Nós sabemos quem somos ou o que somos, mas desconhecemos quem podemos vir a ser”, escreveu o bardo William Shakespeare.
O animal sapiente vê a si mesmo como dono e senhor da natureza, com direito a explorar suas fontes de vida até o esgotamento. Sendo o único animal terrestre a ter consciência de si mesmo, é o único a, de maneira selvagem e covarde, ferir de morte a natureza de que é parte. Sendo um recente passageiro na paisagem do planeta, se faz profano em sua insustentabilidade, cego para a beleza e a verdade de seu pertencimento a tudo o que vive e passa – como ele próprio é um efêmero passante neste mundo. Assim vive em predatória insanidade. E não sabendo que é um todo em meio a outros bilhões de outros todos, que são as coisas, os entes, viventes e gentes, põe-se de parte da totalidade.
“A vida é mais do que uma noite?”, pergunta a escritora Rosiska Darcy Oliveira, em seu livro “Reengenharia do tempo”: Na vertigem ou no afã de ganhar a vida, as pessoas vivem correndo para a morte. O retorno (ou o encontro) essencial é tentar fazer com que a vida volte a ser viva. Afinal, vivemos e morremos correndo atrás de que, mesmo? Afinal, somos apenas sonhos uns dos outros, duramos o tempo de uma noite, e muitas vezes nossos sonhos são pesadelos dos quais não conseguimos acordar, pois que os sustentamos e os criamos com a realidade absurda em que escolhemos existir.
Assim falou a escritora, que trabalhou com Darcy Ribeiro, e partilhou de seus sonhos e de seu trabalho para inventar um Brasil diferente, por meio da educação. Não esta que aí está, a enganar a todos que dela participam (governo, professores e estudantes) a construir, em campo minado, as fundações de uma sociedade que, possuindo todas as condições para fazer de si mesmo uma obra prima, escolheu sucumbir à lei da inércia e à preguiça do gigante, deitado em berço anêmico, na vala comum da mediocridade que se vê como vitoriosa.