Avião é muito devagar
Sístole & diástole. Contração & descontração. Tempo & contratempo. Entretempo. Tempo contrário tempo. Tudo isso pra dizer o que não se disse. O que poderia ter sido dito e não foi. Como num contratempo – não o do minueto, mas aquele intervalo da fala quando se contracena. Foi assim quando do recente lançamento de meu livro Minerar O Branco na Estação das Letras, no Rio. Nem bem terminara de ler alguns textos quando minha querida amiga Vera Valverde vem à mesa onde eu estava e fala com a devida propriedade o poema que dedico ao Alcione Araújo, que tem takes que remetem à Commedia de Dante, como “pela mata erra o poeta/ de minas erra pelo ermo/ erra o poeta pelo erro/ erra o poeta por não ser / em si manhã e por não ver/ que rever reverberar/ o erro não mais é errar/ pelo mundo errar aspirar/ errar pelo erro de errar/ errar pelo tempo profundo/.../ pela mata erra o poeta/ e o caminho aqui se aperta”.
E Vera, à vera, logo me pede veraz resposta à sua pergunta: “você costuma alterar seus poemas quando os revê”? Ao lado de poemas novíssimos, meu livro traz vários textos de antanho, poemas com datas de duas, três décadas atrás. Daí a indagação, que eu podia ter respondido tomando como gancho o próprio poema que ela lera tão bem: “que rever reverberar/ o erro não mais é errar”. Mas, na hora, “escapou-se-me” e saí com alguma coisa sobre Manuel Bandeira, em cujos textos eu – que sempre gostei de mexer, de substituir palavras nos poemas dos outros, só pra ver no que dá – jamais consegui “bulir”, que é o mexer de menino curioso. Os poemas de Bandeira são para sempre – irretocáveis em sua aparente simplicidade.
No outro dia, um contratempo. Esse, do gênero amolação mesmo. Passeio nas Paineiras e almoço em família em Santa Teresa, com direito a namorada, neta, filho, mais namorada de filho. E bonde. Deixei o Obama – meu carro atual, um Corolla preto, verdadeira autoridade negra, como seu homônimo americano – num cantinho de rua, à espreita. Não sei bem de que. Acho que do próximo bonde, pois o pobre, autoridade à parte, foi devidamente amassado sem a mínima piedade: “errar pelo erro de errar”.
Manhã seguinte, Patrícia e eu voamos num céu de brigadeiro para o Sul. Mal descemos em Porto Alegre e Patrícia sacou de lá sua máxima: “que voo chato, que coisa mais sem emoção, não teve sequer uma turbulência!”. O que me lembrou de um velho dvd da Marisa Monte, onde a cantora, que está num avião, ao lado do namorado, vira-se para ele e solta essa pérola: “Não gosto de avião, não, bicho. Avião é muito devagar. Bom mesmo é ônibus, que tem paisagem”. Pois é, avião é muito devagar. Que frase mais fantástica. Bom mesmo é o Obama, que nos leva-e-traz: a vadia viagem e o mundo-paisagem.
Ronaldo Werneck