PRECONCEITO, O QUE É ISTO?
Voltaire dizia: “Se queres conversar comigo, define tuas palavras.”.
Todas as palavras subjetivas são conceituais, precisam ser explicadas. Mas também as concretas carecem de alguma explicação, mesmo que apenas a do dicionário. O homem é um animal que pensa, logo também preconceitual, ou preconceituoso. O pensamento se encadeia, palavra puxa palavra, conceito puxa conceito. Toda linguagem será sempre complexa. As substâncias existem, os conceitos são formulados. O velho Aurélio registra, em primeiro lugar, o que conceito significa: “Representação de um objeto pelo pensamento, por meio de suas características gerais”. “Preconceito: conceito ou opinião formados antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos, idéias preconcebidas”.
Mas, para nós, quando se fala em preconceito, vem logo à baila o preconceito de cor (apenas o contra os negros). Acontece que há muitos outros preconceitos: de religião, de feiúra, de pobreza, de classe, de profissão (principalmente contra a primeira), de raça, de família, de doenças, de idade (velhice), de virgindade etc. E por falar no último da série, é bom que lembremos como as mocinhas de colégio se manifestam: – “Fulana, você ainda é”? E se a resposta é positiva, riem a valer. Significa que, hoje, a virgindade também é motivo de riso ou chacota.
Outrora havia uma cláusula nos concursos e nos testes de admissão de funcionários ou empregados, pessoal de modo geral, assim: “ter boa aparência”. A exigência caiu da lei, do papel, mas na prática e na surdina continua funcionando. O que deve ser exigido é que o funcionário (principalmente, se público), tenha boa presença, receba bem, seja educado. A sociedade muda e repassa conceitos e preconceitos, de pessoa para pessoa. A língua portuguesa, devido aos maus costumes pelo preconceito, perdeu as palavras “senhor” e “senhora”, substituídas por “tio”, “tia”, “vô” e “vó”. Mas, cuidado, que, por trás dum tratamento familiar, esconde-se o preconceito contra a velhice, a idade, além de ser uma mentira. Família é família (ou devia ser) e os outros são os outros. No campo social, quando uma comunidade não pensa, e age movida por preconceitos, pratica desumanidade. Humanidade é considerar todos iguais: é civilidade, é conhecer a natureza humana e aceitá-la nos seus “defeitos” e “qualidades”. Nossa linguagem é plural, multívoca, carrega consigo os preconceitos da sociedade. Mas é inacreditável que, quando a pessoa conhece suas possibilidades, seu limite, suas fraquezas, queira arremeter contra os limites do outro. Quando “intelectuais petistas” de hoje, os que estão no poder, numa reunião formulam frases como “Todos e todas”, terminam praticando um preconceito contra os do “terceiro sexo”. Quando criam uma lei favorecendo os negros, discriminam os brancos. É difícil. Mas é assim que entendemos. Piadas contra o português são uma discriminação, sim, senhor. Aliás, pelos textos do baixo humor podemos observar quanto mexem com profissionais (padres, médicos), lugares e estados (pacientes), entre outros. Falo do humor escrachado, não do fino humor que tão bem os ingleses praticam, embasado no jogo da linguagem e nunca cruelmente nas condições sociais dos sujeitos.
Todo preconceito é desumano, fere o cidadão (ou a cidadã). Em suma, conceito é também julgamento. Se feito com conhecimento de causa, é comum e aceitável. Mas se são ignoradas as causas e os efeitos, a história e tudo mais que envolve a coisa julgada, é abominável. Eis o preconceito, que é também maldade. As sociedades mais civilizadas procuram a medida certa nos seus conceitos e, quando erram, imediatamente buscam reparação.
Francisco Miguel de Moura