DASLU & DASPU

A querela entre a DASLU e a DASPU é uma rica metáfora dos tempos em que vivemos. Isto dá para escrever um ensaio. Isto dá para escrever uma tese. Mas vamos de crônica mesmo.

Recapitulemos: a DASLU é aquela loja lá em São Paulo, grife preferida de milionários. As pessoas se orgulham de entrar lá e pagar cinco, dez, vinte mil reais por uma peça de roupa que vale quinhentos, mil ou dois mil reais. O chic é isso. Ostentar. E explorando esse fascínio típico dos deslumbrados e novos ricos, a DASLU virou noticia. Sobretudo porque está implantada ao lado de uma região favelada.

Mas, de repente, a marca DASLU extrapolou das colunas sociais para as páginas policiais com a escandalosa revelação que seus proprietários estavam envolvidos com importação ilegal, fraude no físco, formação de quadrilha, enfim, a Policia Federal invadiu o complexo de lojas da DASLU, prendeu as proprietárias, levou documentos, instaurou inquérito. A paulistada ficou irada. Figurões se manifestaram, mas os milionários continuaram, sorridente e loiramente, a frequentá-la.

Nisto, a líder das prostitutas no Rio, Gabriela, que desde os anos 80 reúne a classe reivindicando cidadania para essas seculares profissionais, lutando por planos de saúde, aposentadoria e respeito por essas trabalhadoras, lançou há dias a grife de vestidos – DASPU. A imprensa e a tevê mostraram as próprias putas desfilando e lançando estilos de blusas, saias, vestidos, sapatos, enfim toda uma linha de produtos que seriam a cara de suas usuárias.

A DASLU reagiu, seus advogados dizem ter entrado na justiça para defender o nome dessa empresa. Mas a líder da DASPU argumenta que “das” é um prefixo da língua portuguesa que qualquer um pode usar.

No último fim de semana a colunista Mônica Bérgamo, da Folha de São Paulo dedicou toda sua página aos vestidos da DASPU, mas exibidos por manequins profissionais. E é aí que isto tudo fica mais fascinante e ilustrativo. Não apenas as putas saem da página policial para a coluna social, enquanto as donas da DASLU saem da crônica social para a policial, mas as “meninas de família” usando a moda das “putas”, aproximam centro e periferia e os vestidos antes mostrados pela putas, nem sempre bonitas, agora no corpo das modelos, ficam ótimos. Não só ótimos, mas se assemelham às roupas que as jovens e senhoras ricas usam. E aí a gente fica se perguntando: onde a diferença?

Se a moda já havia antes misturado “ lixo” e “ luxo” (aproximação social e estética), se idosos e jovens se vestem da mesma forma (aproximação temporal, geracional), agora o encontro entre o que tenho chamado de periferia e centro – DASLU/ DASPU é também de ordem moral.

Isto tudo tem lá sua graça, a gente ri, faz piada. Mas me intriga também sob esse outro ponto de vista: a característica mais forte da cultura contemporânea é ter embaralhado as coisas. E quando me refiro à fusão ou superposição do conceito de centro e periferia, aí está incluída muita coisa. As noções de certo/errado, bem/mal, alto/baixo, rico/pobre, belo/feio, bandido/mocinho, santa/puta, sagrado/profano, nacional/internacional, masculino/feminino, enfim, todos os pares opostos tradicionais foram abalados.

Da mesma maneira que uma “moça de família” posa nua em revistas, que nuas antigamente só mostravam “mulheres da vida”, a moda chic, também já incorporou (como as bandas de rock) o marginal, o dark, apropriando-se da satanização. Ou seja, da mesma maneira que o feio virou belo, o que era satanizado agora é divinizado. Lusbel e Gabriel se fundiram. Aliás, há muito tempo que Vênus e Maria dialogam na tradição da “prostituta sagrada”. De resto, quanto à santificação das putas, está aí Maria Madalena que, há dois mil anos, não nos deixa mentir.

Affonso Romano de Sant'Anna

Do site do autor, com a sua permissão

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