Os chatos do engano
Não há limites para quem vive ao telefone. Depois do surgimento dos celulares, então, os incontinentes verbais alcançaram a glória. Já se escreveu muito sobre esses chatos. Falam durante as sessões de teatro ou cinema, brigam em voz alta no meio de restaurantes e lanchonetes, trocam intimidades nos corredores de shopping e banheiros públicos. De repente, é como se estivessem sozinhos. E quem estiver por perto que se lixe.
Sua inconveniência chega a extremos quando ligam errado. Meu celular é campeão em receber chamadas por engano. Tenho um quase xará telefônico que é meu karma. Chama-se Toninho. Deve ser xará no número do telefone. É a única explicação que encontro. Trabalha em alguma transportadora. Anda, vira e mexe, ligam no meu aparelho procurando por ele. E não adianta dizer que é engano. Ligam de novo. E de novo, e de novo. E reclamam comigo sobre a encomenda que não chegou!!!!
Desenvolvi uma técnica especial. Atendo. Perguntam pelo Toninho. Digo que este telefone não é dele e já recito o número do meu telefone. A seqüência é sempre um “ué, é esse número mesmo que eu tenho aqui”. Aí respondo “pois é, mas não é o telefone do Toninho”. Ouço ainda uns muxoxos, mas acaba a ligação.
Às vezes, a estratégia não funciona. Outro dia, depois de aplicá-la e desligar, o sujeito ligou de novo. “Toninho?”. Respondi paciente: “meu amigo, eu já disse que esse telefone não é do Toninho”. “Mas de onde é esse telefone?” Estava bem humorado. Respondi: “este telefone é do Brasil”. Ficou um silêncio constrangedor do outro lado. Desliguei, é claro.
Mas é quando estou sem tempo que atraio os piores tipos de chatos. Como aquele cara que insistia em conseguir uma contribuição (do Toninho, é claro) para uma instituição de caridade. Para não perder a viagem, pediu prá mim, é evidente. Ou de uma senhora de voz gutural que dizia não ter paciência com essas brincadeiras e que urrava pela presença do meu xará numérico.
O caso mais exótico aconteceu com uma secretária amadora, que insistia em me chamar de “anjo”, “querido” e “meu amor”. Ela queria provar que eu estava errado. E que o número do meu celular pertencia ao Toninho. Dona de uma lógica de novela mexicana, ela insistiu uma, duas, três, quatro vezes. Eu já estava esperando as lágrimas.
Até que ela se excedeu: “não, amor, não é possível, eu anotei este número, foi ele mesmo quem me passou”. Como eu já não tinha mais nenhuma reserva de humor, dei a reposta definitiva: “então você não sabe escrever”.
Cheguei a ouvir o começo de um palavrão, mas desliguei. Sei que foi grosseiro, mas funcionou. A “anja” não ligou mais. E deve estar brava com o Toninho até hoje. Poxa, ele nem parecia ser tão malcriado.
Maurício Cintrão