As armadilhas de hotel
Eu sou diferente da maioria das pessoas: adoro dormir em hotel. Muita gente se queixa da “impessoalidade” dos hotéis, mas é justamente disso que eu gosto. Gosto de ambientes impessoais, onde ninguém sabe quem eu sou, e posso ser tratado com a cortesia e a distância que se dedica a qualquer cliente, freguês, usuário. Hotel é a coisa mais democrática que existe. Ninguém está me tratando bem porque eu sou eu, está me tratando bem porque tem o compromisso de tratar bem qualquer hóspede. (Estou falando dos bons hotéis, é claro. Que são muitos.)
Mas hotel é um lugar perigoso danado. Uma vez, eu estava fora do Brasil, sozinho, e saí para tomar umas cervejas. Ao retornar para o hotel de madrugada resolvi tomar um banho. Era uma daquelas banheiras de chão recurvo, e quando isso se juntou com o sabonete e a espuma do xampu, não precisou nem o efeito da cerveja para me fazer escorregar e cair com toda força. Sofri uma fratura no crânio e meu corpo só foi encontrado na manhã seguinte, quando a arrumadeira passou no corredor e viu a água saindo por baixo da porta do quarto. (Brincadeira: só fiz machucar o ombro, mas imaginem a perda que a Literatura Brasileira por um triz não sofreu!)
Outra armadilha de hotel, onde muita gente já se deu mal, é a tal da água aquecida. Parece que existe um “boiler” central no porão, que ferve a água e a distribui pelos encanamentos na direção dos quartos. (Lembram-se do “boiler” de que Jack Torrance tinha que cuidar, em “O Iluminado” de Stephen King?) A gente liga a água fria, e depois vai temperando com a água quente. Já vi notícias de jornal sobre gente que se atrapalhou (senhoras idosas, a maioria delas), ligou somente a torneira de água quente e postou-se embaixo. Amigos, aquilo desce fervendo. Altamente desaconselhável.
Pior é quando a gente esquece de trancar a porta por dentro ou colocar o “Não Perturbe”. De manhã cedo a arrumadeira mete a mão na maçaneta e emburaca quarto adentro, empunhando balde e esfregão. Vai ver que foi isso que ocorreu com Dominique Strauss-Kahn, aquele garanhão de terceira idade do FMI, que abrecou uma camareira em Nova York. Até agora não sei se foi ela que caiu na armadilha dele ou ele que caiu na armadilha dela – pense numa dupla de raposas!
Hotel de serial killer (o Bates Motel de Psicose ). Hotel de onde não se consegue sair (“Hotel California”). Hotel povoado de fantasmas residuais (o “Hotel Avenida” de Drummond). Hotel transtemporal onde os universos paralelos se entrelaçam ( Ano Passado em Marienbad ). Todo hotel é uma área de superposição de destinos humanos, um máximo de linhas-de-tempo individuais por metro quadrado.
Braulio Tavares