As horas de sono
Quando eu era pequeno, um dos grandes mistérios do mundo era o que acontecia ao mundo após as 8 da noite. Essa era a hora em que eu era mandado para a cama. Fui crescendo, o limite foi se ampliando, o mundo foi ficando maior e havia até as noites de festas em que ficávamos todos acordados, a casa toda acesa e cheia de gente, até meia noite ou mais. Qualquer pessoa prática dirá que o melhor sono é das dez da noite às seis da manhã. Dormindo-o, devemos acordar com a impulsão de um cavalo de turfe e a energia de um pequinês. Só que... os que não abrem mão da madrugada não veem problema nenhum em dormir as mesmas oito horas de todo mundo, só que transferindo-as para a faixa das quatro da manhã ao meio-dia.
As indústrias e a eletricidade cortaram o dia em dois. Antigamente, no tempo das candeias, dos lampiões de azeite, das velas nos castiçais, a noite ocupava quase metade da vida, mas foi sendo retalhada a golpes de incandescência, e hoje, nas grandes cidades, nunca mais existiu a noite intacta, primordial. O que passa naquele céu é uma noite sonâmbula, insone, esvaída do seu poder em mil filetes de luz.
Uma pesquisa de Roger Ekirch, professor de História na Virginia Tech (EUA), sugere que no tempo dos nossos trisavós as pessoas não costumavam dormir uma noite ininterrupta. Dormiam durante três ou quatro horas, depois levantavam, passavam duas ou três horas acordados, e depois deitavam-se para dormir de novo até o amanhecer. As referências foram colhidas na literatura, documentos de tribunais, documentos pessoais, os pequenos registros conservados daquele tempo. As pessoas falam disso como algo de conhecimento comum e sabido por todos. Um médico inglês escreveu que o melhor momento para estudo e atividades contemplativas era entre o “primeiro sono” e o “segundo sono”. Chaucer, nos Contos de Canterbury, mostra um personagem indo se deitar para o seu “primeiro sono”.
E o que faziam nessas horas? pergunta Ekirch no seu livro Day’s Close: Night in Times Past. E responde: o que era de se esperar. Muitos ficavam deitados, às vezes lendo. Outros rezavam; havia preces especiais dedicadas a essa parte do dia. Outros iam fumar, conversar entre si. Esse intervalo era também o momento preferido para o sexo. Outro chegavam a sair para visitar os vizinhos. Tudo indica que a luz elétrica e a maior segurança foram aumentando a atividade social noturna, e os dois períodos de sono foram misturados em um só. Hoje eu vejo pessoas irem dormir cedinho, acordar meia noite, tocar rock até as quatro da manhã, e depois dormir de novo. Como diria Jessier Quirino, “normal normal normal.”
Braulio Tavares