Crônica de vida e morte
Infância: a vida é assim... brincamos muito, temos energia e curiosidade, temos descobertas a fazer, boas e ruins, mas quando somos crianças tentamos esquecer as ruins e lembrar as boas. Passamos nossa adolescência não cabendo em nossos corpos e hormônios que explodem exponencialmente dia após dia. Depois vem a década de 20, tal como a Paris dos anos 20, são os anos dourados. Fisiologicamente estamos no ápice, pode colocar 30 festas seguidas dia após dia que vai faltar festa... Outra coisa, a sensação de imortalidade é inebriante. Dos 30 aos 40 começa um processo que vai durar até nossos fins: reflexão. Alguns postergam porque já anteciparam o sentimento da negação, mas... inexorável.... Perdemos um por cento de massa corporal em cada ano dos 30 em diante. Para os homens os 40 e até antes um pouco é a crise. Alguns tentam ignorar e fazem papel se bobo, acham que é gurizão, e vão fazer o papel de Tio Sukita. Outros polarizam para outro extremo e se afundam em depressão e baixa autoestima e um terceiro grupo dos eleitos na seleção natural se readequam... até passam ansiedade, tristeza leve, certa agonia mas... se readequam. Mudam perspectiva, relevam idiotices, buscam saúde, cientes das limitações corporais que só virão e virão e virão. Saúde mental sobretudo. Os 50 devem ser engraçado. É o início da aceitação de que mais ainda devemos valorizar coisas boas, família, amigos, bons momentos e a aceitação de que somos um veículo que vai começar a perder o para choque, depois a lataria (essa roubei do Joseph Campbell) começam a morrer mais tios, os pais se não foram começam a se despedir e preparar sua saída já deixando a porta aberta para os de 50... que prosseguem aos 60 e aí se pensa: até 80 se esforçar chego bem então tenho mais 20, quem sabe. Mais parentes e agora os amigos começam a desaparecer numa velocidade nunca vista. Aos 70 começamos a fechar a casa: janelas para não entrar chuva, verificar as portas duas vezes e ficamos atrás de notícia dos amigos que ainda andam por aqui. A geração da família acima talvez não tenha ninguém agora somos promovidos a primeira classe, lá na frente quase na cabine do piloto. Família, amigos, profissão, animais de estimação... onde estão todos vocês? Bem... essa década do crepúsculo e se vier algo mais depois dos 80 é lucro é a fase de superar a negação. É hora da aceitação, conformação e de revisitar: momentos, lugares, esses em maior número que pessoas, que vão ficando cada vez mais restritas e raras... Somos obrigados a tocar pessoas por memórias destas e de lugares e momentos onde podemos sempre encontrá-las. Pois para muitos seremos octogenários alienígenas, quase que incomodando quem pede passagem (tem uns que olham e pensam: Ô velhote, cai fora! ciao vovô! Devem ser os imortais da geração de 20/30 achando que são imortais ou... são os da gerações 30/40 com complexo de Peter Pan, esses dai debocham dos velhos não pela embriaguez da juventude, mas sim pelo pavor de se verem no mesmo caminho); e em um estalar de dedos, numa bobeada da defesa de uma bola mal recuada, num cochilo do motorista do ônibus da vida... FIM.... Leila Míccolis acho que nossas novelas da vida nos conduzem todas para o sétimo selo de Bergman. Mas sejamos o cavalheiro que lutou no xadrez, lutemos com galhardia, com nobreza, com compaixão, com altivez, com elegância e autocrítica... mas viva a vida! A vida de hoje e cada manhã, a cada boa pessoa que conhecemos e que nós esforcemos para mantê-las sempre perto. Mesmo que o sempre não dure para sempre...
Essa crônica foi em homenagem ao meu amigo irmão Marcio Barbosa Maia e a todos nós que amamos a vida! A família, os amigos e porque não nossos amados bichos de estimação.
Francis Bicca