Como locomover-se numa cidade entupida

O assunto calor estiolou-se em menos de dois minutos e meio ("Serão mais três dias de calor e muita radiação ultravioleta, depois cairá um vento Sul que soprará tempestades terríveis de raios, trovões e uma quantidade de granizo nunca antes vista neste País", pontificou um, ao que o outro retrucou, discordando: "Isso é o que o homem do tempo na TV garante, mas há séculos não existe meteorologista cujas previsões sejam cem por cento confiáveis, o que leva à conclusão de que, sendo assim, de pouco vale prever o tempo").

O natural, em verdade, seria observar com demora e gozo, na praia toda, e comentar sem rodeios ou travas, a abundância que lhes passa aos olhos ou que se deixa estar pelas cercanias: abundância de pés, braços, mãos, pescoços, cabeças, orelhas, cabelos, mas isso traria o risco considerável de deixar ao menos despeitadas suas respectivas consortes, as quais, além disso, poderiam muito bem retaliar pousando olhos e sorrisos sobre peitos cabeludos e pernas musculosas, para dizer o mínimo.

Assim, cidadãos conscientes e respeitáveis, só lhes resta discorrer reciprocamente suas preocupações cidadãs com relação à escassa mobilidade da cidade, ao menos da cidade que ambos conhecem muito bem, onde vivem, trabalham o ano inteiro e criam suas famílias.

- A não ser pra ganhar dinheiro, verdadeiras fortunas, não sei pra que tanto técnico dando palpite, realizando estudos e fazendo relatórios. Qualquer prefeito medianamente sagaz já teria percebido há muito o que todo mundo está vendo: as escolas, desde os berçários até as universidades, é que atravancam a cidade. Dê férias para essa gente toda e, mesmo com a invasão de turistas, encontra-se com facilidade lugar para estacionar no Centro a qualquer horário.

- Claro! Isso é transparente como água mineral! Se não consegue resolver o problema do transporte escolar, basta o prefeito proibir o funcionamento de todo e qualquer estabelecimento de ensino no município, incluindo os cursos de corte e costura. Na hora a cidade vira um paraíso.

Amilcar Neves

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