A Revolta do Vintém

As grandes revoluções do mundo também começaram por banalidades; é a gota que vaza, porque o pote da indignação encheu e o povo perdeu a paciência que tinha. Se olharmos pelas ventanas entreabertas da história, veremos que Maria Antonieta passou maus bocados (aliás péssimos) na guillhotina, por um brioche mal passado. Abu All Sharey passou o seu mau bocado por um quibe, aliás, pelo recheio do quibe; dentro tinha uma "Primavera Árabe". O Presidente Bush fez vistas grossas a um estilete e perdeu, pelo descuido, suas duas torres preciosas. Na Albácia em uma pequena taberna acharam um fio de cabelo no prato de sopa. A pessoa foi reclamar e ao arrastar a cadeira, nervoso, quebrou a perna da cadeira. O taberneiro exaltado já veio com a justiçeira na mão, e dali a briga foi se estendendo às ruas, aos becos, às avenidas, pontes, passando pelas pequenas aldeias. Essa revolta ficou conhecida como a "Noite das Cadeiradas" e quando dela menos se esperava, incendiou o Reino. O evento deixou marcas profundas no lombo de muita gente. Mas não foram a cadeira , nem o fio de cabelo, nem o estilete, nem o quibe, nem o brioche nem o vintém, os motivos das revoltas: foi o pavio. E quem acende o pavio é o povo. A caixinha de "fósfogo" está em suas mãos. E o riscar é verbo que todos podem conjugar. A nossa bomba está recheada de eleições manipuladas. "Sorry" TRE; de discursos mentirosos; de promessas não cumpridas; de fichas sujas eleitos para postos de destaques; De antigos políticos corruptos, que voltaram à ativa, ou então que dela nem saíram; de reis coloridos, que não largam as tetas do poder e continuam a mamar o silicone da impunidade; de crimes apurados no destêmpero de negociatas; de venda de sentenças por togados inescrupulosos, montados em seus cavalos de riqueza; de trambiques de bandidos bem trajados, indiferentes à dor alheia, recheando as cadeias do reino, e organizando desmandos e crimes dentro e fora dela; de autoridades, que valendo-se do cargo, despejam leis no ventilador do poder, favorecendo a quem oferta a melhor propina; de roubos de terras alheias, deixando os Camponeses e Indios na miséria e achincalhando seus sonhos de uma vida digna; de monoculturas alienígenas e transgênicas tomando conta do Reino e vendida a Reinos estrangeiros, enquanto nosso povo passa fome; de empresários desonestos que falsificam seus produtos, sem se preocupar com a saúde de seus consumidores; de policiais aproveitadores, que usam os uniformes como isenção para cometerem suas atrocidades; de deputados assassinos, que bebem, dão vexame a 197 km por hora, depois dizem não lembrar de nada. O sofrimento não tem e_mail, e onde ele aflora estende seu tapete de insatisfação e os convidados são milhares e milhares. Assim, sem pedir licença, o sofrimento espalha-se pelo país como uma enchente de um rio imenso e caudaloso que nasce no coracão do povo, e deixa em pé os cabelos do mundo inteiro. Mas também ali nasce a alegria, como uma mãe cultivando a horta e o jardim ao redor da casa. Nossa presidenta que se cuide, pois um vintém ainda a levará aquém. Solidariedade ñ dói.

Hélio Leites

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