FAMÍLIA SÓ É BONITA EM PORTA-RETRATO

Há muitos anos ouvi esta frase: Família só é bonita em porta-retrato. Ouvi, achei engraçada, mas não passou disso. E hoje me pergunto se esta frase não estará certa, aplicada nos dias atuais em grande número de nossas famílias.

O título da crônica pode ser engraçado ou um tanto mordaz, mas pelo que tenho visto, no decorrer de muitos anos, família e paraíso não são sinônimos. Vejo, cada vez mais, um núcleo desestruturado, rancoroso e azedo. Haja jogo de cintura para se sair vivo de uma fofocaiada, de uma intriga familiar. Não existe nada mais complexo e labirintoso do que esse núcleo, hoje. Mesmo por que a base é o ser humano, com todas suas nuances. Daí o convívio, em muitas famílias, ser algo meio surrealista. O ser humano piorou, consequentemente as famílias pioraram.

Também não quero dizer que não exista o amor familiar; ele está presente, mas não o suficiente para manter as pessoas unidas e em harmonia por muito tempo. Primeiro é o eu; depois continua sendo o eu. E sobra pouco pra dividir. E no primeiro tropeço, começa a desintegração.

Dizem que a família é o mais importante núcleo para a formação de uma sociedade saudável. Até concordaria, mas se saudável fôssemos. Porém, ao meu ver, estamos cada vez mais desacreditados, incapacitados para sentimentos, e, por incrível que pareça, nos estarrecemos ainda com todas as atrocidades que vemos. Nossa espécie está mais violenta do que nunca: tudo já aconteceu. Não sei qual surpresa pode estar a caminho, talvez a explosão do planeta! E até isso não me surpreenderia.

Em minutos ficamos sabendo das últimas atrocidades: do filho que matou a família inteira; da mãe psicótica que jogou a filha no lixo; do pai que atira a filha pela janela; do cara ciumento que mata a esposa com 10 facadas; do filho que esfaqueia a mãe para obter dinheiro; da mulher que envenena o marido; da mãe que vende a filha para ser prostituída; da filha que mata os pais com olho na herança, da mãe que mata o filho drogado, do neto que espanca a avó e daquele maníaco austríaco, que fez o que fez... Que coisa mais maluca! Enfim, uns parentes ordinários que não se sabe de onde saem. Isso se chama família: não tem nacionalidade, cor ou credo. E não são casos isolados; não são poucas as famílias que se atracam o dia inteiro. O número é enorme, mesmo o que deveria ser mais preservado - o amor familiar -, está em declínio; ladeira abaixo...

Sempre teremos no nosso núcleo - ninguém foge dessa - pais, irmãos, primos, tios, avós, filhos, sogros e cunhados que farão o inferno astral uns dos outros, cooperando para a formação e instabilidade dessa base social.

E é nesse núcleo que nasce a inveja, a insegurança, o egoísmo, a intolerância, a arrogância, a sovinice, o desrespeito e a formação de caráter. Que núcleo é esse, onde o sangue que corre pelas mesmas veias não tem o poder de fazer com que impere um amor verdadeiro? (Não generalizo).

É no núcleo familiar que aprendemos a armar confusões por coisas insignificantes; é no núcleo familiar que crescemos vendo as primeiras desavenças entre pai e mãe; é nesse núcleo - maravilhoso - que fofocamos dos primos, das tias, dos avós, dos netos, dos cunhados e dos sobrinhos; é no núcleo familiar onde começam nossas carências afetivas. E é no núcleo familiar que aprendemos a querer o mal do outro. E é neste mesmo núcleo que nossas atitudes são das mais perversas. É nesse núcleo que se forma o ser humano.

É nesse núcleo - no término do casamento - que os filhos são colocados na linha de combate e atingidos pelos atos de vingança de seus pais. É mãe escondendo o filho do pai e pai se esquivando de pagar a pensão dos filhos.

E depois dê-lhe terapia no anjo. Que instituição é essa que o amor não sobrevive diante da matéria? A coisa só afrouxa nos velórios. Mas passados uns dias, quando tudo já está esquecido e o defuntinho enterrado, o tal núcleo volta a ser o que sempre foi: cruel, insensível e interesseiro.

Não tenho mais pruridos em falar de família. Família deve ser vista sem máscara e sem verniz. Caberia também ao Estado cuidar do que é oferecido aos nossos jovens; ter mais cuidado com os filmes, que são verdadeiras escolas de crimes.

Por isso digo que família só é bonita em porta-retrato: nele, as famílias ficam lindas e sorridentes para serem vistas pelas gerações futuras: este é o fulano, filho do sicrano e neto do beltrano! Maraviiiilha!! Que linda família, que harmonia!!

Recomendo o filme Parente Serpente: uma típica família italiana se reúne na casa da nona para a ceia de natal. Tudo começa bem, recordando os bons momentos da infância. Com o passar das horas a personalidade de cada um dos irmãos vai emergindo e minando, aos poucos, o clima festivo até o dia que tudo termina da pior maneira possível... Eu vi esse filme várias vezes: no cinema e na vida real.

Tais Luso de Carvalho

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