Ah, as elites!...

Já faz algum tempo, Senhor Redator, que insisto por convicção: não temos elites nesta pobre aldeia de Felipe Camarão. E se não temos ricos, como afirmam os mais exigentes, tanto pior: temos os ricaços, o lado pior da falsa elite. Há exceções, que Deus não teria razões para negá-las a este seu povo bom e trabalhador. Mas, no conjunto, de eira a beira, o que se tem é um povinho egoísta, encastelado na sua riqueza, e convencido de uma aristocracia que eles inventaram sob os panos mornos do poder.

O modelo perverso dos ricos brasileiros voltou às páginas esta semana com a morte de Antônio Ermírio de Morais. A frase dele destacada na edição da Carta Capital é: ‘A elite brasileira é egoísta, só pensa nela mesma, e o resto que continue como resto'. E não se atribua ao todo-poderoso homem do grupo Votorantim qualquer laivo da mais discreta inveja dos ricos. Nem se cobre gestos, ele que viveu a vida dedicando parte do seu dinheiro e do seu tempo à Santa Casa de Misericórdia como benemérito.

Os ricos são os ricos. As elites são feitas de outra gente. O ricaço faz como o dono da Friboi: depois de denunciado por suas manobras escusas, sob a proteção do erário, ao invés de contestar o que poderia ter sido injusto na Carta Capital, fez o que sua perversão sempre manda – tentou reservar três páginas ímpares na edição que está nas bancas, convencido de que assim abrandaria o ímpeto do editor da revista. Foi pior: o boi mugiu ainda mais desconsolado com suas três páginas rejeitadas de pronto.

Mas, também se deve fazer constar deste pobre arrazoado a matéria publicada dia desses, no jornal Valor, assinada por Fred Seifert, Ricardo Martins e Leonardo Letelier, mostrando que o Brasil melhorou sua posição no Índice de Desenvolvimento Humano, segundo relatório da ONU. É verdade que subimos apenas um ponto, passamos ao 79º lugar entre os 187 países examinados, mas é melhor do que uma queda. Continuamos, pois, num estágio intermediário, longe dos índices mais desumanos.

O quadro revela que a desigualdade nos países como o Brasil ainda persiste como a causa mais determinante do atraso no desenvolvimento humano. E dentro da desigualdade, a constatação que tem tudo a ver com a questão: ‘Ricos pouco doam de suas fortunas e do seu tempo'. Ora, se eles são assim, e são ricos de verdade, imagine o que seria falar de doação aos falsos ricos, aos ricaços, profundamente egoístas. Um quadro que aqui fica mais grave com a falta de eficácia nas gestões públicas e privadas.

No fim, o que os índices revelam, no Brasil e principalmente nesta aldeia, é que nunca tivemos a cultura da doação. E quando ocorrem, não alcançam o patamar da parceria ou do compartilhamento, para usar uma expressão em moda. Cai tudo na vala comum da caridade, herança do nosso passado católico-jesuítico, quando a Igreja ensinava aos nativos de Pindorama: quem dá aos pobres empresta a Deus. Claro, doar não resolve tudo, como está no texto do Valor. Mas pode ajudar a mudar o mundo.

Vicente Serejo

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