O PALAVRÃO SOMOS NÓS
No curso primário, no futebol de rua e no Tiro-de-Guerra, aprendi à força todos os palavrões regionais do Brasil: eles designavam tudo, a vida, a morte, o amor, a mulher, a geometria, a pátria, o pão... Enfim, era impossível viver com os homens sem ouvir e dizer palavrões; mais tarde, passou também a ser impossível viver com as mulheres de boca limpa. Hoje estou bastante integrado na sociedade humana e digo palavrões com naturalidade. Só que depois de tanto agravo, acabei por perceber uma verdade fundamental: o palavrão mostra uma grande parte de nossa imagem. É um espelho, mas um espelho ao contrário: reflete aquilo que é invisível em nós. Ora, diz um escritor muito esperto que os homens se diferenciam pelo que fingem e se assemelham pelo que escondem. Assim, o palavrão serve para mostrar que somos iguais, e só por artifício é que podemos ser diferentes.
O palavrão somos nós. É a nossa história, nossa guerra, nosso egoísmo, nossa gula, nossa raiva, nossa inveja, nosso fracasso, nossa doença, nosso fel, nosso vírus, nosso menosprezo, nossa decomposição. Mas, o palavrão é só a mostragem de barro ordinário de que somos feitos: mostra também nosso conflito social ao longo de tempos perdidos. Somos todos filhos de soldados cruéis e apavorados; somos filhos de camponeses arruinados pela miséria; somos filhos de senhores poderosos à custa de violência e desumanidade; somos filhos de doidos, imbecis, ladrões violadores. A ira, a injustiça, a hipocrisia, o medo e a luxúria são a nossa herança histórica: não é de se espantar que o palavrão seja a flor de nossos lábios. Ora, pois, viva o palavrão! Viva, porque é a verdade, uma boa parte da verdade. Que não se narre o homem só pelas palavras, cores, e sons angelicais; deixemos que o palavrão sinceramente conte o resto. É horrível, grotesco e pobre, mas somos nós. Proibi-lo na internet, televisão, cinema, no jornal, revista, teatro e no livro é impedir que uma parte da nossa realidade se publique.
E, mais ainda: a vulgarização universal do palavrão em nosso tempo é antes boa do que má: estamos conhecendo nossas entranhas. Não há mais curto caminho para o progresso espiritual. Estamos vivendo uma era de confissão pública. Tanto melhor. Como dizia um ingênuo e santo pregador alemão, vamos botar para fora as nossas porcarias. Proibir esse vômito salutar é sandice ou farisaísmo.
Rubens Shirassu Jr.