NO TEMPO DAS MARIQUITAS
Havia uma época em que as mariquitas invadiam as locas das pedras da praia do Pina. Eram uns peixinhos vermelhos, quase que inadequados para o consumo humano, por conta do excesso de espinhas. Nas marés baixas, quando o mar secava e as pedras ficavam expostas, nós os pescávamos com facilidades nas pequenas poças de água que se formavam sobre os corais. Naquela época o antigo emissário que havia, levando os dejetos coletados da estação sanitária da Cabanga, o famoso cano do Pina, atraia uma grande quantidade de peixes. Pescar ali, era fácil. Tanto se pescava com varas de anzóis, com de rede ou de mergulho. Até mesmo a pesca predatória com bombas ainda se praticava. Perigosíssima e absurda, pois tanto servia para matar um número excessivo de peixes, a maioria dos quais não seriam utilizadas pelos pescadores, como para estourar os tímpanos de algum mergulhador incauto que estivesse por perto na hora da explosão.
Na verdade o cano do Pina funcionou até o início dos anos 80, quando foi desativado pela Compesa. Em 2004, por ordem da CPRH, o cano foi definitivamente retirado pela Prefeitura do Recife, quando da revitalização da praia. A desativação do cano diminuiu a poluição das águas mas também afastou os peixes e outros animais marinhos (siris, moreias, guajás, tatuís, etc.) do local, inclusive as mariquitas.
Um outro fator de afastamento da fauna marinha foi o assoreamento da praia, notadamente no trecho que vai do paredão de Brasília Teimosa até a Rua Ondina, no Pina. Esse processo foi tão acentuado e acelerado nos últimos anos, que os barcos de pesca que ancoravam na praia em frente à sede da Colonia Z-1, tiveram que ser deslocados para a Bacia do Pina. Assim, fatores naturais influenciaram na mudança da rotina de trabalho dos pescadores e em alguns hábitos culturais e religiosos, como a procissão marítima de São Pedro. Realizada todos os anos no dia 29 de junho, passou a ter uma parte terrestre e outra marítima, haja vista que o andor com o santo, saindo da sede da Colônia Z-1, passou a atravessar as ruas locais até alcançar os barcos no outro lado do bairro.
Naquela época, no tempo das mariquitas, a fartura de substâncias orgânicas eram tão grande, que até alguns tubarões eram atraídos em busca dos peixes que compunham a sua cadeia alimentar. Quem pescava de mergulho, como o meu irmão Carlinhos, sabia disso. A partir da segunda faixa dos corais (existiam três faixas de corais separando os canais navegáveis, quando a maré estava baixa) era provável dar de cara com algum daqueles seres cartilaginosos, mas que raramente atacavam. A fartura de alimentos disponíveis os tornavam dispostos a conviver pacificamente com os mergulhares, diferentemente de hoje quando atacam banhistas até próximo da beira-mar. No tempo das mariquitas, aliás, ainda não havia ocorrido no bairro a explosão demográfica provocada pela aceleração da especulação imobiliária. O Pina, com a sua praia tranquila, ainda era um bairro bucólico. Hoje, derrubam-se quarteirões inteiros de casas e pequenos prédios para a construção de espigões gigantescos e modernos. Faz tempo que as antigas casas de banho, onde se alugavam roupas (calções e maiôs) para o desfrute da praia, acabaram-se. Sumiram junto com as mariquitas.
Clóvis Campêlo