Os Casos na Varanda

             Na minha infância gostava de ficar ouvindo conversas de gente grande. Bom era quando tinha visita, dos parentes, de amigos e colegas de trabalho de papai, para passar algumas horas em nossa casa. Gente de fora sempre trazia alegria e curiosidade, quebrava a rotina familiar, de dormir cedo e espantar o silêncio letárgico dos dias, das noites mornas. A sala e a varanda da casa ganham vida, as luzes eram acesas e sempre saía um agrado, que também alcançava as crianças, um saco de balas Chita, Juquinha ou Sete Belo, um pão ou bolo caseiro macio e artesanal, preparado no forno à lenha, aquele que apresentava em seus ingredientes a banha e a farinha, apalpado com todo carinho, empenho e zelo pelas mãos de mamãe ou presenteado por alguma vizinha leal ou mesmo amigos moradores de sítios nas imediações dos Parques São Mateus e São Lucas, é claro, acompanhado de um café torrado e quente em caneca branca e bule, ambos esmaltados. De vez em quando, saboreávamos um típico doce de abóbora ou mamão natural, que cozinhava numa panela de ferro.

             Mas a varanda virava um palco de histórias e eu era o espectador mais atento enquanto a censura admitia. Mesmo quando o assunto ficava impróprio, os detalhes picantes do acontecimento para o menino curioso, imitava estátua de jardim postando-me silencioso para ficar sabendo um pouco mais do mundo adulto. De minha parte, ficava ali, atento, de antena ligada, ouvindo os casos, muitos de arrepiar os cabelos, as almas de tropeiros, caboclos que apareciam nas porteiras, cancelas e nas picadas dos sítios, que depois traziam medo na hora de dormir. As fantásticas e mirabolantes aventuras dos pescadores nos rios Santo Anastácio, do Peixe, Paraná, Pardo e Paranapanema. Em razão do volume do burburinho de vozes, dos gritos de discórdia, de dúvida, sem esquecer das risadas escancaradas, como as janelas das casas dos familiares, amigos e vizinhos.

             Tanto o dia como a noite eram outras terras sem tempo, onde tudo era claro e se destacava pelas cores vivas, fatos se sobressaindo como marcos de referência. A curiosa sabedoria milenar dos índios e hoje usada pelos pantaneiros: Ao chegar perto do cipó cascata, a pessoa deve pedir licença aos protetores (elementais) da mata para adentrar aquele local, precavendo de não ser encantado pelos mesmos e, consequentemente, perder-se ou girar no mesmo lugar no meio da mata ou floresta.

             Até certa hora, dependendo do rumo que o povo navegava naquele mundo único, simples e claro povoado de lendas, mitos, sonhos e temores, os meus pais permitiam ficar um pouco mais da meia-noite. Depois de todas as noites passadas juntos, como se pensássemos de outro modo durante a noite, como se a mente sofresse uma transformação intangível quando o sol se escondia. Com a escuridão a mente se torna um animal diferente, adormecido, de olhos fechados, sonolento, enquanto o resto de nosso ser continuava, sem piloto ainda solicitado a respirar e agir.

Rubens Shirassu Júnior

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